Monday, January 28, 2008

Banned Frank


Arte em si não precisa ter uma razão para existir. Nietzsche desconfiava que os gregos antigos tinha criado uma arte maravilhosa como uma espécie de camuflagem para os horrores da existência, o que é exatamente o que penso ser o objetivo da arte e da cultura em geral. Por isso acho que arte engajada é completamente desprovida de senso. Os artistas modernos e suas "instalações" produzem em grande parte uma pseudo-arte cuja única causa é o egocentrismo do autor, e cujo valor é dado pelo o grau de atenção que atrai.
Estes dias um desses artistas modernos e engajados, um holandês metido a Bansky, anda divulgando um print de uma imagem de Anne Frank com uma keffiah palestina enrolada no pescoço. O "artista" conseguiu seus quinze minutos de fama, ainda mais porque a galeria on-line que vende suas obras é de Birgit Schuurman, atriz/cantora/bisca holandesa, irmã de Katia Schuurman, outra famosa com os mesmos predicados. Todos fazem parte daquele mundinho pop-cult-jet-set tipo propaganda de Free.
É óbvio que associar um ícone do Holocausto como a imagem de Anne Frank com o símbolo da intifada palestina embrulharia o estômago de qualquer um com cérebro. Trata-se de associar o genocídio de um povo com um conflito atual completamente diferente relembrou um irado embaixador israelense na Holanda falando na televisão.
Mas Birgit diz que a obra é para ''fazer refletir''. Não importa que ofenda a memória de Anne Frank e de outros seis milhões de vítimas judias do nazismo.Não é arte, é provocação de uma cabeça oca e vontade de chamar a atenção em um mundo onde atenção é tudo o que conta.
Estes dias, a prefeitura de Amsterdam, a Fundação Anne Frank, a Fundação pelas Árvores e vizinhos da casa de Anne Frank entraram em acordo para salvar a castanheira de 150 anos mencionada tantas vezes em seu diário. A árvore, já não se aguenta em pé mas será preservada pelo menos pelos próximos dez anos.Como se vê, há quem preserve memórias, e há quem as ofendam. Artistas deveriam estar no primeiro time.
A 27 de janeiro de 1945, tropas soviéticas liberaram o campo de extermínio de Auschwitz. Este foi o dia escolhido pela ONU como dia da Memória pelo Holocausto.

Depreciating assets


Capitalistas também amam...
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Saturday, January 26, 2008

A insana política européia


Geralmente não falo do meu trabalho neste blog, já que um dos seus objetivos é justamente me fazer esquecer do trabalho. No entanto, quero refletir sobre uma certa mentalidade que vem dominando de forma nefasta a burocracia européia.
Vamos ver, a Europa desde a Segunda Guerra Mundial desenvolveu uma Política Agrícola Comum a fim de garantir alimento a todos os seus habitantes, algo muito louvável. Com o passar dos anos, a agricultura européia passou a produzir excedentes, e a PAC se tornou uma máquina de subsidiar uma agricultura que não tinha mais como competir no mercado internacional com países como Brasil, Austrália, Canadá, Argentina etc, o que vale para commodities agrícolas como grãos, carnes e etc. A Europa defende seus agricultores então de dois jeitos: se um produto agrícola europeu é vendido para fora da União, com um preço mais baixo, Bruxelas restitui a diferença. Se um produto agrícola de fora da União é importado aqui, Bruxelas taxa a importação.
Assim, resguardados da competição, agricultores europeus se tornaram viciados em subsídios, e embora representem 6% da população consomem um terço do orçamento europeu. O que força o resto do mundo, como o Brasil, a ser mais eficiente na produção de commodities. Quando a barreira comercial não é suficiente, inventam-se motivos relacionados a área da saúde e de proteção ao consumidor. A recente disputa entre Brasil e Europa na importação de carnes é que vem perturbando meu trabalho.
Por outro lado, a Comissão Européia virou uma máquina burocrática que quer regular a vida de seus cidadãos nos mínimos detalhas com a desculpa que é para seu próprio bem. A cada dia saem novos regulamentos sobre cigarro, bebidas, teor de gordura de alimentos, como se cada cidadão fosse absolutamente incapaz de decidir o que quer ou não consumir, algo descrito com humor por João Pereira Coutinho em uma coluna na Folha de S.Paulo em novembro passado. Dizia o articulista português que no curto prazo, metade da sua dieta estaria proibida por um burocrata qualquer: “Já imagino esse dia bem triste, e bem civilizado, em que sairei de casa com gabardine e óculos escuros, disposto a comer, numa catacumba qualquer, os pratos que a minha avó fazia na maior das inocências.”
A Europa está infantilizando seus produtores agrícolas, incapazes de sobreviverem sem a “mãe” Bruxelas e está infantilizando seus próprios consumidores, que não sabem mais decidir o que podem ou querem comer sem a ajuda de um regulamento novo da “mãe” bruxelas.
É um suicídio sócio-econômico no longo prazo.

Maxwell Smart


Essa guerra fria era muito mais divertida, Maxwell Smart, o Agente 86 e sua esposa 99 com seus sapatofones combatendo os malvados espiões da K.A.O.S.

A KGB e a nova guerra fria


Criada para ser o Escudo e a Espada do Partido, a KGB mudou de nome várias vezes depois de ser criada no embalo da revolução bolchevique.
Hoje chama-se FSB, mas continua dominando o poder na Rússia assim como dominava na União Soviética, não é à toa que Vladimir Putin saiu desse meio.
Quando se começa a ler sobre o assunto é que temos uma dimensão real do problema. A KGB esteve (ou ainda está) por trás de grande parte das tragédias do mundo, de guerras na África ao narcotráfico na América Latina e ao terrorismo islâmico, a grande mão vermelha manipula seus agentes do mal como se fossem marionetes. O que significa inclusive agir contra os interesses do próprio povo russo. Hoje sabe-se que foi o FSB que explodiu um bloco de apartamentos em Moscou para justificar um ataque à Tchetchênia, assim como o FSB também estava no meio da invasão do teatro de Moscou que acabou com gás paralisante.
A Front Page Magazine traz uma interessante conversa sobre a ressureição da KGB entre Ion Pacepa, antigo chefe de espionagem do regime comunista romeno, James Woolsey, ex-diretor da CIA e Vladimir Bukovski, dissidente russo.
A conclusão é simples, a KGB, que antes agia em nome de um suposto ideal soviético, hoje age em nome dos interesses da corporação. Surfando em dinheiro de petróleo cuja indústria foi dominada por Putin e seus comparsas, a KGB/FSB está mais viva e ativa do que nunca, controlando um Estado totalitário e ainda dispondo de um imenso arsenal nuclear. Enquanto Putin vai a reuniões do G8 e visita Bush, sorrateiramente vende armas ao Irã, à Venezuela, recebe King Jong Il de braços abertos e estimula toda atividade anti-americana e anti-britânica no planeta.
Há alguns dias o escritório do British Council em S.Petersburgo foi fechado, e seus membros acusados de espionagem. As relações entre a Inglaterra e a Rússia nunca estiveram piores desde a queda do muro. O professor e pesquisador americano trabalhando na Rússia Igor Sutyagin também foi preso por espionagem. Oposicionistas do regime estão sendo presos e condenados como nos velhos tempos de Lavrenti Béria. Bukovsky relembra que como dizia Stálin: no man, no problem.
A nova guerra fria já começou.

Friday, January 25, 2008

The beam


What I have to give you you don't want
Or cannot any longer recognize.
What you still seem to want or need I give
Grudgingly, then less and less, and not.

What I need you no longer can give me,
And both of us are angry. So I turn
Away and have for years,

Though rooted to the spot,
Been turning like a beam,
A searchlight hopefully
Or doggedly from sheer
Habit raking the gloom

Rachel Hadas

Relendo o Al Corão


É tão raro encontrar pensadores muçulmanos moderados que quando se encontra um é preciso dar-lhe o devido destaque.
A Nouvel Observateur da semana passada trouxe uma entrevista com Abdelwahab Meddeb, professor na universidade de Paris-X-Nanterre. Meddeb é também poeta e escritor, autor de "A Doença do Islam" e que lança agora seu novo ensaio intitulado "Sair da Maldição".
A idéia central é a de quebrar o tabu corânico. Diz o autor que os muçulmanos transformaram o Al Corão em um ídolo ao admitir que o que está escrito ali é a palavra de Deus inalterada e inalterável, quando paradoxalmente a mensagem do Livro é fortemente anti-idolátrica.
Ele propõe um estudo histórico e filológico do Corão e destaca a importância dos multazilitas, estes teólogos racionalistas do século IX que defendiam a tese do Corão "criado", em oposição a um Corão "não criado" ou literal. A tese do Livro criado supõe uma mediação humana entre Deus e o Livro, o que faz com que os escritos tenham que ser situados no contexto da época de sua revelação. O sentido das palavras se torna relativo em vista das circunstâncias históricas.Uma reinterpretação atual do Corão serviria a neutralizar a noção hoje pervertida da jihad. Meddeb diz que estados com o Islam como religião oficial deveriam declarar obsoletos por exemplo versículos como o da Espada (IX, 5) e o da Guerra (IX, 29)para poderem se adaptar aos valores que regem a política internacional de liberdade de culto e de consciência, e a paz entre as nações.Meddeb diz também que a sharia, a lei islâmica, é fruto mais de diferentes interpretações e tradições proféticas do que dos escritos corânicos, algo que é confirmado entre outros por Albert Hourani em A History of Arab People.
Ele defende a idéia de que sempre que houvesse divergências entre a sharia e a a declaração de direitos do Homem, que esta última deveria prevalecer, e que todos os governos Ocidentais deveriam exigir isso com firmeza de países islâmicos.
Finalmente um autocrítica corajosa partindo de um intelectual muçulmano. Insh Allah...

Há algo de podre


Pode-se dizer que a Holanda é um dos berços do capitalismo moderno. O país tem uma das bolsas de valores mais antigas do mundo, a primeira corporação comercial do planeta, a famosa Companhia das Índias Orientais nasceu aqui, e banqueiros judeus financiaram em grande parte a Golden Age holandesa do século XVII.
Desde então o mercado tem sempre andado aos sobressaltos, faz parte do jogo financeiro, um perde e outro ganha.
Joelmir Beting, um dos únicos que fala um economês inteligível diz que “trata-se de uma crise produzida de caso pensado pela especulação financeira sem fronteira e sem bandeira. Não se trata de choques reais da atividade econômica em geral. Atividade que pode ser perturbada, mas não paralisada pelo catastrofismo ardiloso dos analistas financeiros e dos jornalistas idem. Até porque pintar cenários pessimistas dá a seus autores enorme credibilidade. O pessimismo, em economia, é sempre levado a sério. O otimismo, não raro, é espancado pela galhofa.’’
Talvez ele esteja certo, mas ainda assim há algo de profundamente errado no mundo das finanças. Ontem, o Société Generale, um dos maiores bancos da França descobriu que um de seus traders tinha aberto um rombo de 5 bilhões de euros depois de várias ...gadas no mercado de futuros, ...agadas essas que ele mesmo encobria manipulando a administração do banco.
Um conhecido meu, encarregado de fazer o road-show para a abertura de capitais de uma grande empresa brasileira, foi encontrar em Nova York a representante de um fundo de pensão americano, dono de reservas 3 vezes maiores do que o PIB do Brasil. A responsável era uma moça de uns 30 anos, que comprou-lhe mais de 100 milhões de dólares em ações, como se estivesse passando um cheque no supermercado.
Os bancos americanos andaram emprestando a torto e a direito dinheiro de hipoteca para gente que não tem como pagar. Jacques Attali, ministro francês, cita ainda a crise do endividamento dos americanos mais pobres nos cartões de crédito, uma bomba relógio cujo potencial dano não foi ainda descoberto.
De um certo modo, aqueles quadros eletrônicos das bolsas de valores que passam do azul ao vermelho a cada minuto estão mostrando o que está acontecendo com o rico dinheirinho da nossa aposentadoria, e é inquietante pensar que ele esteja nas mãos de quem não sabe o que faz.
“There is something rotten in the state of banking” a frase hamletiana é de Antonia Senior, colunista do Times refletindo sobre essas irracionalidades.
Ela cita uma pesquisa sobre moral no setor bancário de Roger Steare, Professor de Ética Organizacional na Cass Business School. A pesquisa pôs mais de 700 executivos trabalhando em empresas do setor financeiro em testes de integridade. O resultado é que esse grupo era menos honesto, menos leal e menos disciplinado do que a media dos trabalhadores britânicos. Uma cultura de ambição e de pensamento a curto prazo.
Antonia Senior conclui, ambição é bom, mas temperada com outros valores, honestidade por exemplo.
Quanto a mim, se tivesse dinheiro compraria uma das duas coisas que não perderam valor desde que moeda é redonda : terra e ouro.

Thursday, January 24, 2008

Carla Bruni


Carla, voz, violão e toda a perfeição do resto... quem pode resistir a ela dizendo quelq'un m'a dit qui tu m'aimes encore...?

Sarkozy, seu sacana!

The Davos Question


O fundador do YouTube teve a idéia de colocar webcam's à disposição do distinto público do Fórum Econômico Mundial em Davos, para que eles respondam à seguinte questão:
"O que você acha que países, empresas ou indivíduos têm que fazer para transformar o mundo em um lugar melhor em 2008?" .
O resultado é engraçado, de Bono a Henry Kissiger está todo mundo dando uma de Miss Universo.
E qualquer um pode fazer um vídeo e mandar para lá. Também vou participar. Minha mensagem? All we need is love!
Ou parem que eu quero descer!

http://www.youtube.com/thedavosquestion

It's not happening here, but it is hapenning now








Nova campanha da Anistia Internacional

Monday, January 21, 2008

Save our Soul



Save our Soul é o último disco de Marc Broussard, guitarrista, cantor e compositor de Louisiana. Tem uma grande voz e swing pra dar e vender.

"I want to take what was beautiful and right about old-school soul and make it alive again," he says. "Soul music grew out of the church, out of gospel, but somewhere along the way it lost its heart. I want to give that heart -- the good vibes, the happiness, the love -- back to the music and back to the people, whether it's a new generation who've never heard what genuine soul sounds like or listeners who grew up on it."

The Kite Runner


Transformar um bom livro em um filme é quase sempre uma tarefa ingrata para um diretor. Este ano já tinha assistido Atonement, um filme excepcional baseado no premiado livro de Ian McEwan. Ontem assisti The Kite Runner, de Marc Foster, baseado no livro de Khaled Hosseini.
A inesquecível cena do campeonato de pipas, onde a câmera segue vertiginosamente uma pipa pelos ares enquanto as crianças povoam os telhados de Cabul explica como um filme pode ter suas vantagens em relação a um bom livro.
Apesar das vivas descrições de Khaled Hosseini, é difícil para um ocidental estranho àquelas paragens, que só conhece o Afeganistão pela CNN imaginar as montanhas nevadas, as ruelas onde circula uma miríade de vendedores ambulantes e onde carros dividem espaço com cavalos e camelos. Na tela grande, somos jogados dentro de Cabul, antes e pós Taliban, e ainda acompanhados pela envolvente música composta por Alberto Iglesias (que sempre faz as trilhas de Almodovar).
Da mesma forma, nos acostumamos de um modo perverso a imaginar afegãos como brutos, sujos e barbudos, com mulheres estupidificadas vestindo burkas. No filme vemos como eram os afegãos antes de terem suas vidas destruídas pela barbárie. Vemos namorados dançando, famílias jantando, gente festejando, crianças brincando. E os vemos depois como emigrantes em uma terra estranha, tentando manter suas tradições e reconstruir suas vidas.
É impossível não imaginar ali vendo aquelas cenas a sua própria família, ou como seria a sua vida se tivesse passado o que aquela gente passou.
E isso foi para mim tão tocante quanto a trama principal do filme, a história de Amir em busca do filho de seu amigo de infância Hassan. Coincidentemente,como Atonement, esta também é uma história de reparação.
Marc Foster foi fiel ao livro na medida do possível. Seus atores, inclusive as crianças, são competentes e seu filme emociona tanto quanto o livro.

Coutinho e Piza


Imperdível a conversa de João Pereira Coutinho com Daniel Piza.
Uma pérola de lucidez e inteligência.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/joaopereiracoutinho/ult2707u365176.shtml

Saturday, January 19, 2008

Jihad holandesa, em cartaz, perto de você


Na semana que vem, o deputado holandês Geert Wilders vai soltar nas salas de cinemas um filme anti-islamismo sobre o Al Corão. Wilders, do Partido da Liberdade, é o mesmo que queria proibir a distribuição do livro sagrado dos muçulmanos, que ele chama de Mein Kampf islamita na Holanda. Eu falei na ocasião que ele era um imbecil. Agora eu acho mais, ele é um imbecil perigoso. Acho que ele tem sim o direito de fazer o filme que quiser, mas como membro do Parlamento holandês deveria refletir um pouco mais sobre as consequências que vai criar.
O cineasta Theo van Gogh foi assassinado por um fanático por ter feito um filme onde versos do Al Corão apareciam pintados sobre o corpo nu de uma mulher. Ayaan Hirsi Ali, parceira de van Gogh na autoria do filme está ameaçada de morte até hoje.
O filme vai aparecer uma semana depois que o governo holandês autorizou a construção da maior mesquita da Holanda, no subúrbio de Amsterdam. Esta notícia tinha no site do jornal Telegraaf até hoje 887 comentários, a imensa maioria negativos.
Também esta semana, o governo decidiu suspender o visto para estudantes iranianos que queiram estudar em Universidades holandesas, com medo de vazamento de informações que possam ajudar o programa nuclear iraniano. Hoje, a tv holandesa passava um documentário mostrando como Abdul Khan, o pai da bomba atômica paquistanesa fotografou e copiou informações sobre centrífugas nucleares holandesas enquanto trabalhava por aqui nos anos 70.
Para mim é tudo muito simples, os muçulmanos que vivem aqui devem ser julgados não por suas crenças, mas pelos seus atos (parafraseando Elizabeth I). Não é ler o Corão ou construir uma mesquita o problema. O problema é deixar que radicais transformem a crença em lei, e que baseados nessa lei façam justiça como bem entendem. Se querem ficar aqui, que obedeçam às leis holandesas.
Geert Wilders vai mostrar seu filme. A Holanda está esperando reações comparáveis às que aconteceram na Dinamarca em 2006 por causa de cartoons. Já prepararam inclusive um plano de evacuação de suas embaixadas no Oriente Médio. Os muçulmanos para provarem que são piedosos e pacíficos vão sair queimando carros e pedindo a cabeça de todos os infiéis. Geert vai falar olha só como eles são e ao final seu filme só servirá para dar força aos radicais. Dos dois lados.

Tribos


No primeiro dia do ano, uma turba armada de porretes e facões cercou uma pequena igreja de madeira e lata na vila de Kimbaa, no Quênia. Lá dentro escondiam-se cerca de 200 pessoas, homens, mulheres e crianças. Depois de assaltarem os homens e estuprarem as mulheres, a igreja foi incendiada. Alguns sobreviventes reconheceram os atacantes como amigos, conhecidos e vizinhos. O problema é que eram de outra tribo. O Quênia, antes reconhecido como um dos países mais promissores e pacíficos da África está revivendo os horrores já vistos em vários outros países africanos como o Rwanda, Uganda, Zimbábwe e tantos outros. É impossível entender o que se passa no Quênia sem compreender o processo histórico descrito brilhantemente por Martin Meredith em The State of Africa. A partilha da África pelos colonialistas transformou 30 mil unidades políticas do continente em cerca de 40 países. Nos movimentos pela independência, lutas tribais e partidos políticos se confundiram numa salada de sangrenta. O padrão de comportamento do presidente recém eleito Mwai Kibaki é o mesmo de todos os outros facínoras do continente: ganhar uma eleição a qualquer custo, se possível roubando. Uma vez no poder, tentar fazer de tudo para manter-se aí, inclusive atiçando as diferenças étnicas no país. Beneficiar os membros da própria tribo com todas as vantagens que o poder oferece, perseguir ou ignorar as outras tribos. Acusar a oposição por todos os males do país. Recusar qualquer intervenção de fora. Encher o bolso enquanto dá tempo. Diferenças étnicas e culturais levam séculos de evolução para desaparecerem. Mesmo na Europa, essas diferenças ressurgem na vida política atual, vide a Bélgica ou a Escócia, ou de forma violenta como aconteceu na Yugoslávia. Na África, ainda vai demorar muito para isso mudar. O Brasil nesse aspecto é privilegiado. Gilberto Freyre mostrou como a miscigenação foi fundamental na formação da identidade do povo brasileiro. De fato, é inimaginável para um brasileiro pensar que amanhã ele poderá fatiar o vizinho a golpes de machete por ele ser paraense, fã do Wando ou torcedor do Guarani (já que não temos tribos é preciso achar motivo).
Essa mistura é a melhor característica do povo brasileiro, e é exatamente o que o politicamente correto imbecil de hoje quer negar com suas cotas e com a neo-discriminação racial.

Novelices


Sou um noveleiro passivo, como aqueles não fumantes que se queixam da fumaça do bar.
Nunca liguei a televisão para assitir a novela. Aliás, em matéria de televisão sou da opinião de Marx (o Groucho, não o Karl), o melhor é correr e pegar um livro.
O problema é que em volta de mim sempre houveram pessoas assistindo novela. Na verdade eu até me interessava pelas novelas tipo Pantanal ou Rei do Gado, com temas assim digamos mais rurais...E também sempre me impressionou a forma como as telenovelas brasileiras espalharam nossa “cultura” pelo mundo. Um dia encontrei um mexicano que veio me perguntar o que tinha acontecido ao Véio do Rio. E um húngaro que queria saber mais sobre a Dona Beija .
Mas no fundo no fundo toda novela para mim sempre foi um grande non-sense. Elas tem no entanto tem um inegável poder sobre as massas, e seus autores devem ter plena consciência disso.
Aguinaldo Silva já confessou em seu blog ter sido ameaçado por petralhas. Disseram que um dia ele acordaria com a boca cheia de formiga pelas cutucadas que ele dá nos esquerdistas em sua novela das oito. Outro dia vi uma cena do líder popular Juvenal Antena falando sobre um referendo que seria feito na sua favela sobre a construção de uma fábrica de cimento. Dizia ele que eleição era só para dar ao povo a impressão de que era a vontade deles que seria feita, mas que na verdade, só ele mesmo é quem sabia o que era melhor para o “seu povo”.
Isso foi antes daquela ridícula batalha ao som de música clássica onde o Antonio Fagundes saiu feito Rambo de bazuca pela favela...
Agora na novela das seis o prefeito, personagem de Lima Duarte, decide criar uma CPPPM Contribuição Provisória para o Posto Médico, que ele logo imagina em transformar em permanente e financiar aí o seu carro, os vestidos da primeira dama, outras obras que não tem nada a ver com o posto médico “como aconteceu em um país aí da América Latina”...
No meio do non-sense, nada melhor do que dar uma ou outra cutucada no povo para ver se ele acorda do berço esplêndido.
Qualquer semelhança, é mera coincidência.

Adeus a Oscar Peterson


Soft Wind

Wednesday, January 16, 2008

Woman, Warrior, Queen


"My loving people, we have been persuaded by some that are careful of our safety, to take heed how we commit ourself to armed multitudes for fear of treachery; but I assure you, I do not desire to live to distrust my faithful and loving people....I know I have the body but of a weak and feeble woman, but I have the heart and stomach of a king, and of a King of England too, and think foul scorn that Parma or Spain, or any Prince of Europe should dare to invade the borders of my realm."

Elizabeth I, 8 de agosto de 1588, esperando a invasão espanhola

Tuesday, January 15, 2008

Bandidos com proposta


As FARC tinham até semana passada 776 reféns. Dois deles, Clara Rojas e Consuelo Gonzáles foram libertados através da mediação do ditador venezuelano Hugo Chávez. Hoje, sequestraram mais 6. Ou seja, as FARC têm agora 780 reféns, Chávez não ajudou em nada.
O venezuelano sabidamente tem dado abrigo aos narcoguerrilheiros em seu território. Em seu discurso depois da pantomina da libertação pediu que a comunidade internacional reconhecesse as FARC como um grupo político com uma proposta. Proposta, segundo ele respeitada na Venezuela...
Dos reféns das FARC, poucos são soldados, policiais ou políticos. A imensa maioria, pelo menos 730 deles, de acordo com El Tiempo foram sequestrados com fins puramente extorsivos. A outra fonte de renda das FARC é o tráfico de cocaína. Essas duas atividades são responsáveis pela miséria de centenas de milhares de famílias na Colômbia e no resto do mundo.
Não conheço a "proposta" das FARC, e nem quero conhecer. Mas seus métodos, escancaram ao mundo sua verdadeira essência: são bandidos, canalhas, assassinos, traficantes que vivem do mal alheio.
Todo governo decente deste planeta deveria adotar a política americana e cortar qualquer forma de negociação com essa escória, e inclusive com seus defensores como o ditador com cara de porteiro de boate gay (by Jabor). O nosso PT senta com eles à mesa no Foro de São Paulo...
Esse teatro todo dá às FARC e a Chavez uma importância que decididamente eles não tem.

Bananas de celular


Faz tempo que não meto o pau no governo Lula, não por falta de motivos mas por falta de paciência mesmo, há outros assuntos mais importantes (para mim) a comentar.Decidi voltar ao tempo por ficar sabendo da última manobra indecente do Nosso Guia Genial. Ele planeja mudar um decreto para favorecer a compra da Brasil Telecom do arqui-inimigo dos petistas Daniel Dantas pela operadora Oi/Telemar. O que há de escandaloso nisso?
1. A Oi/Telemar é controlada pelo empreitero Sérgio Andrade da Andrade Gutierrez, principal doador às campanhas eleitorais de Lula, e por Carlos Jereissati da Telemar, sócio de Lulinha, filho do presidente, ex-monitor de zoológico e novo milionário da Gamecorp ;
2. Se a compra der certo, Daniel Dantas sai do negócio com uma boa grana e deixa de ter o PT no seu pé, e como ele previa governo vai criar e controlar uma mega empresa de comunicações, exatamente o objetivo contrário do que se desejava com as privatizações ;
3. Uma lei será mudada para beneficiar um negócio específico que só interessa ao governo, as instituições vão às favas ;
4. O BNDES, acionista da Oi/Telemar financia a operação, mas só se a Brasil Telecom for comprada pela Telemar, a petralha aplaude falando que é do interesse nacional que empresas estrangeiras não invistam aqui.
5. O povo assiste e não entende nada. Petralhas que antes faziam piquetes contra a privatização andam todos de celular, lucram com ela e ainda privatizam ao contrário, criando uma nova estatal que controla a maioria das telecomunicações brasileiras...
Conclusão : continuamos a ser uma república de bananas, mesmo de celular na mão.

Monday, January 14, 2008

Elizabeth, the Golden Age


Em um grande momento do filme Elizabeth, the Golden Age, Felipe II, o imperador espanhol aparece refletindo consigo mesmo “Eu sou a luz, Isabel é a obscuridade”. Enquanto isso, a fotografia deixa ver exatamente o contrário. Felipe tem uma figura sinistra, sempre vestido de negro e andando encoberto nas sombras do Escorial acompanhado de sua esposa criança e do seu séquito de bispos, enquanto Elizabeth aparece como um sol fulgurante na Inglaterra com sua aura de deusa virginal, maquiagem, jóias, cabelos e vestidos.
O filme começa em 1585, 26 anos após sua coroação como Rainha da Inglaterra. O Império Espanhol era então a maior potência econômica e militar do planeta. Felipe II, tendo herdado e ampliado o império de seu pai, Carlos V, reinava sobre a Espanha, Áustria, Nápoles, os Países Baixos e sobre Portugal onde nasceu e foi criado. O futuro imperador usava o português como língua materna, e só se mudou para Madrid dois anos após a morte de seu pai. Seus domínios se estendiam ainda sobre grande parte do Novo Mundo incluindo o Brasil, o Reino de Jerusalém e ainda territórios na África e Ásia (as Filipinas chamam-se assim em sua homenagem).
Tendo derrotado os turcos otomanos no mar e ganhado o domínio do Mediterrâneo, a Espanha e os estados Papais formam uma aliança para declarar uma Guerra Santa contra o protestantismo que se espalhava pelo norte da Europa.
Enquanto isso Elizabeth se encanta com o pirata Walter Raleigh, inventor do famoso e cavalheiresco gesto de jogar a capa sobre uma poça de lama para a rainha passar. Nisso o filme pode ter exagerado, já que Elizabeth nessa época teria mais de 50 anos e fosse improvável que Walter se encantasse por ela.
Elizabeth enfrenta ainda dentro da própria Inglaterra uma rede de complôs católicos que querem levar ao trono Mary Stuart, a católica rainha da Escócia, mantida em prisão domiciliar por suas ordens. Mary Stuart é filha de Mary de Guise, que no primeiro filme morre envenenada também por ordem de Elizabeth, hipótese historicamente não confirmada.
No filme, são jesuítas espanhóis que desempenham o papel de agentes infiltrados da Espanha para armarem os complôs contra Elizabeth, complôs prontamente desbaratados com métodos pouco cristãos por Sir Walsingham, o famoso spymaster da rainha, visto hoje como o maior e melhor ancestral dos modernos serviços de inteligência e espionagem.
Mary Stuart termina seus dias decapitada por ordem de Elizabeth, elegante até o fim e vestida de vermelho, a cor do martírio para os católicos. A morte da rainha escocesa é o motivo que Felipe II esperava para poder lançar ao mar sua Invencível Armada, esperando conquistar a Inglaterra pela força.
Historiadores acreditam que o motivo mesmo da invasão foi a ajuda que a Inglaterra dava aos rebeldes holandeses que lutavam contra os espanhóis. Aliás, William de Oranje (Vader der Vaderland, ou o pai da pátria para os holandeses) foi assassinado por um fanático católico, talvez quem sabe, a mando de Felipe II.
O fato é que quando os ingleses se preparavam para o pior, a Invencível Armada, cujos navios eram grandes demais para fazerem porto, foi detida por uma tempestade na costa inglesa e massacrada pelos menores e mais ágeis navios ingleses, um episódio visto pelos ingleses como justiça divina, e pelos espanhós como punição pelo pecado da soberba.
Elizabeth, The Golden Age pode repetir a fórmula do primeiro filme trocando o episódio da coroação pela derrota da armada, Robert Dudley por Walter Raleigh e Mary de Guise por Mary Stuart, mas o resultado é tão bom quanto foi o primeiro filme. Este vale ainda mais a pena só pelas interpretações remarcáveis de Jordi Mollà como Felipe II, Cate Blanchet como Elizabeth, Clive Owen como Walter Raleigh, Geoffrey Rush como Walsinghan e Samantha Morton como Mary Stuart.

Sunday, January 13, 2008

Street Food



Há uma certa categoria de comida que eu adoro, mas que dificilmente aparece em guias gastronomicos e turísticos. Trata-se de Street Food, ou comida de rua. São aqueles pratos típicos de cada lugar, preparados em barraquinhas e vendido nas ruas das cidades. É uma alegria para mim passear por uma cidade desconhecida e naquela hora fatal quando bate uma fome desesperadora, encontrar em alguma esquina perdida uma barraquinha vendendo uma coisa bem apetitosa. Para uma comida ser classificada como Street Food, precisa atender os seguintes critérios:
ser preparada e vendida na hora, em uma barraquinha na rua
não estar submetida às inspeções da Vigilância Sanitária
ser gostosa, com altas calorias
ingredientes de origem duvidosa, de preferencia não industrializados
O Brasil tem uma infinidade de comidas de rua, mas para mim, a Street Food mais famosa e uma das minhas favoritas é o pastel da feira com caldo de cana. Pastel de queijo escorrendo óleo ou de carne (não pergunte de quê) que são os mais tradicionais. E caldo de cana feito naquela Kombi cheia de abelha voando em volta. Mas tem ainda o churrasquinho de porta de estádio, o queijo de coalho assado, biscoito de polvilho, acarajé...
E no resto do mundo:
Nos Estados Unidos é o hotdog, a mais americana das Street Foods.
No México, tacos e burritos. Os melhores são aqueles recheados com insetos, gafanhotos e formigas por exemplo.
Em Portugal, castanhas assadas na churrasqueira, são deliciosas.
Na Espanha, churros. Comi na ilha de Gran Canária uma Street Food inusitada, lula seca assada na churrasqueira, tão bom quanto mastigar um pedaço de madeira salgada.
Em Paris são as barraquinhas de crêpes, o meu preferido é o recheado com creme de castanha.
Na Alemanha, bratwurst, pão com linguiça, e é claro com cerveja junto.
Na Grécia, pita gyros, pão com pepino e churrasquinho grego.
Na Itália, pizza vendida aos pedaços.
Na república Tcheca, comia-se uma rosquinha doce assada no fogo em um rolinho giratório.
Na Holanda, vende-se batata frita na rua, cheia de maionese, bem light. Ou então arenque curtido na salmoura com cebola crua, não recomendável antes de beijar alguém.
Na Bélgica, são waffels, com açúcar ou com chocolate. Nas ruas de Bruxelas também se encontram barraquinhas vendendo sopa de caramujos, só para esquentar nos dias de frio...
Em Londres, fish en chips, embora não seja vendido em barraquinhas atende a todos os outros critérios de uma Street Food.
Na Escócia não achei ninguém vendendo nada na rua porque não parava de chover.
Acho que alguém um dia deveria lançar um International Street Food Guide. Quem sabe eu mesmo. Para mim, Street Food é uma parte inalienável da cultura local em cada lugarzinho do mundo. Minha intenção é a de continuar a investigá-la cada viagem, armado com um seguro-saúde internacional e papel higiênico na mochila.

Conselhos a uma adolescente



Se não me engano foi Millôr quem disse que a adolescência é a idade em que o jovem se recusa a acreditar que um dia ficará tão cacete como o pai.
O certo é que nessa idade desgraçada achamos que sabemos e podemos tudo, e agora quando olho para trás eu vejo que não sabia mesmo era nada.
Essa pintura eu fiz inspirado na foto da irmã de uma amiga. Em arte, velas acesas muitas vezes simbolizam a passagem do tempo. Quem sabe quantas coisas passam pela cabeça de uma adolescente olhando para o mundo pela janela enquanto a vela acesa vai se derretendo?
Minha prima de 17 anos foi-se da Holanda, depois de um mês de férias. Deixei em seu diário de viagem algumas recomendações sobre como se tornar uma lady. Ela quer ser uma diplomata um dia. Espero que ela se lembre desses conselhos quando for embaixatriz do Brasil em Paris ou Roma:
Não vomite comida, isso é coisa de débil mental (infelizmente essa é uma moda que tem se espalhado entre meninas adolescentes no Brasil);
Leia meu blog, hehehe
Leia Jane Austen (todos os livros. É impossível para meninas entenderem de amor sem ler Jane Austen);
Ver filmes com a Audrey Hepburn (role model para elegância, ou como toda menina deveria aprender a ser);
Ler jornal principalmente colunas de opinião (um dia ou outro é preciso que elas deixem de ler a Capricho para saber o que acontece no resto do planeta);
Não namore ninguém com piercing e que comece uma conversação com “E aê truta...”ou qualquer coisa do gênero (não preciso explicar essa);
Namore alguém que te faça rir (humor é um ingrediente fundamental para qualquer relacionamento estável e duradouro);
Interessar-se por política (isso faz na verdade com que nos interessemos por uma série de outras coisas, de economia a história);
Parar di isssssscrever Assxximmm na inTernet :)) huhauhauhauha (estou em campanha de proteção à língua portuguesa no Brasil. Se antes ninguém entendia adolescentes agora piorou);
E um conselho que é na verdade emprestado do Reinaldo Azevedo: nunca culpe ninguém, nem pais, nem amigos e nem professores por seus erros. Há sempre um momento onde a escolha é sua (sintoma deuma época em que é difícil achar quem assuma as próprias responsabilidades);
E um que eu tinha esquecido mas que é igualmente importante: educar o paladar. Começar com pratos de cozinhas diferentes do mundo, e um dia estará apreciando o sabor de caviar e foie gras. (Adolescentes hoje preferem se entupir de trash food e vomitar depois).
Ah, se eu soubesse com 14 anos o que eu sei hoje...

O Beijo

En un beso, sabrás todo lo que he callado.
Pablo Neruda

Saturday, January 05, 2008

Benazir Bhutto 1953-2007


Eu admirava esta mulher formidável, ambiciosa e carismática, a primeira a governar um país islâmico. Assim como seu pai e seu irmão antes dela, foi assassinada por fanáticos anti-democracia. Agora é a vez do filho entrar na linha de tiro. Ela tinha perdido seu mandato de primeira-ministra duas vezes, por acusações de corrupção. Seu marido era conhecido no Paquistão como Mr. 10 per cent. Mesmo assim, Benazir Bhutto era uma mulher ocidentalizada, moderna e defensora da democracia, e morreu por causa disso. Entre ela, Pervez Musharraf e o Taliban eu ficaria com ela. Agora o Paquistão, um país muçulmano armado com bomba atômica, paradoxalmente refúgio de terroristas e aliado dos EUA, parece estar entre a ditadura e o islamismo. A esperança vem talvez das palavras da própria Benazir Bhutto, em uma das últimas entrevistas que concedeu. Dizia ela que apesar do barulho todo dos islamitas, nunca eles alcançaram grande vantagem em eleições livres no Paquistão. Ela confiava nos paquistaneses para garantir a democracia, let’s hope so.

Imagens de Praga











Praga


Fazia um frio de rachar em Praga neste Natal passado, mas para decepção geral sem neve. Não é muito fácil fazer turismo a –5°C, mas mesmo assim a cidade estava cheia, com suas barraquinhas das feiras de Natal nas praças vendendo linguiças, pernil assado, vinho quente e trdlo, um rolinho de massa assado sobre fogo.
A cidade estava nua, suas árvores e jardins desolados pelo inverno massacrante, o que realçava ainda mais a arquitetura e as cores dos prédios, mesmo que a paisagem urbana fosse um pouco estragada pelas placas de trânsito e do comércio barato que se instalou ali depois que a república Tcheca entrou na era capitalista.
É difícil achar uma grande cidade, mesmo na Europa, com uma tal concentração de construções tão magníficas. As velhas igrejas e sinagogas, as torres e mosteiros, os teatros e os prédios barrocos, são todos bonitos, conservados, coloridos, iluminados.
Há ainda o castelo e a majestosa ponte de Carlos IV, lembranças do tempo em que Praga era a capital do poderoso Sacro Império Romano Germânico.
Caminhando pelas ruas, nos sentimos completamente estrangeiros nesse país, a começar pela língua incompreensível. Também não me entendi muito com a culinária eslava. Come-se muita carne ensopada com molhos pesados como o goulash, acompanhadas de dumpling, uma espécie de pão que em vez de assado é cozido na água. Assim como em muitos países do norte europeu, a cozinha aqui não se preocupa com sabor, mas em meter algo substancioso, calórico e quente no bucho do freguês. Acompanhado sempre da excelente cerveja Tcheca (o sul da Europa ainda prefere vinho, e se consideram gastronômicamente mais refinados também por isso). E há ainda a riquíssima história desse povo, algo de que temos uma vaga idéia caminhando pelas velhas ruas e nos lembrando de distantes livros escolares. É uma belíssima cidade em suma, mas com um povo, uma língua e uma história às quais me senti muito pouco ligado. Mesmo assim o turista errante descobre que é uma gente alegre e simpática, amante de artes e de música, e não por acaso a terra por onde nasceram ou passaram Kafka, Mozart, Smetana, Dvorak e tantos outros escritores, músicos e pintores. E descobre que a viagem afinal valeu muito a pena apesar de todo o frio.

Um Novo Ano


Há em todo fim de ano um momento sincero em que realmente esperamos que algo bom vá acontecer no ano novo. Imagine você acordar no dia 1° e descobrir que inventaram um comprimido anti-ressaca de efeito imediato! Isso sim seria começar o ano com o pé direito. Logo depois alguém descobriria a cura da Aids. E uma nova fonte de energia limpa e barata. E o Sílvio Santos, o Gugu, o Faustão, a Xuxa e o Galvão Bueno anunciariam que estariam se aposentando. O Latino perderia a voz. O Lula renunciaria e entregaria todas as maracutaias dos companheiros. Um praga de gafanhotos viciados destruiria todas as plantações de cocaína e maconha do planeta. E um decreto da ONU faria das segundas feiras um dia de descanso além do sábado e do domingo no mundo todo. E o Osama seria flagrado em uma boate gay de Nova York beijando o Hugo Chávez.
Mas infelizmente o mundo continua girando, a vida segue cheia de tropeços e curvas perigosas. A gente abre o jornal hoje e vê um novo genocídio no Quênia, enchentes na Indonésia, violência no Rio, sacanagem no Congresso. E por outro lado trocamos presentes, desejamos felicidades, reunimos a família como podemos, com comes e bebes, ressaca e quilos a mais. É a vida. Há quem diga que poderia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita.
João Pereira Coutinho disse uma vez que a vida é um mar de sofrimento, com ilhas de felicidade pelas quais saltitamos.
Pode ser que não descubram a cura da Aids ou do câncer, pode ser que mais guerras aconteçam, mas 2008 será o ano em que voltarei a viver no Brasil, será o ano em que terei um trabalho novo. Quem sabe o que vou ler em 2008, ou escrever em 2008. Quem sabe terei um filho, ou uma filha. Quem sabe quantas coisas boas vou comer, quantos amigos vou rever. Pequenas ilhas de felicidade que me podem aparecer pelo caminho.
Cecília Meireles já ensinou com um poema a arte de ser feliz.
E é isso que desejo a todos nesse ano que vem, muitas, várias pequenas felicidades pelo caminho.

Friday, January 04, 2008

A arte de ser feliz


Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas,
e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles