Tuesday, May 22, 2007

Schotland


Minha road trip começou na histórica Edinburgh. Ao por os pés na cidade logo senti o que há de mais marcante ali, a chuva fina e o cheiro de malte fermentando. Não é brincadeira, quem já passou perto de uma cervejaria funcionando sabe exatamente que cheiro é esse. Pois é o cheiro de Edinburgh. A parte interessante da capital escocesa se resume a uma longa ladeira, a chamada Royal Mile que une os palácio de Holyrood no vale e o castelo de Edinburgh no topo do rochedo que domina o skyline da cidade. Ali, nos velhos edifícios de pedra cinza estão séculos de história, não só na superfície como abaixo dela, onde milhares de miseráveis viviam apinhadas nos túneis cavados no morro. Hoje, diz-se que são mal assombrados e os turistas fazem a festa caçando fantasmas por ali. Mas Edinburgh não deixa de ser uma cidade turística, com suas lojas de souvenires e guias vestidos de kilt. O melhor programa ali, como em outras grandes cidades inglesas e irlandesas é curtir a vida nos pubs, experimentando cervejas, whiskeys, ouvindo uma música celta ou folk e provando o que há de melhor na culinária anglo saxônica: comida de bar. Torta de carne cozida na cerveja, bife de cervo, salsicha ou peixe com batata, hamburguer (do legítimo) e na Escócia haggis, o prato típico local feito com buchada de carneiro e aveia cozida. A outra coisa boa na cozinha deles são bolos e tortas, mas isso é lá para o chá das cinco.
De Edinburgh saí dirigindo pela esquerda (segundo um amigo inglês “it’s the most natural thing in the world”, oh céus...) e na chuva rumo ao oeste do país por estradas vicinais, e em algumas delas só passa um carro de cada vez. De tempos em tempos você tem que encostar para dar passagem a quem está vindo. Mas ali nessas estradas, a cada curva, a cada morro, é como se estivéssemos entrando em uma pintura. São fazendas, bosques, riachos, cachoeiras, lagos, castelos, igrejas, pontes e muros de pedra, montanhas e paisagens inesquecíveis. Com o carro atravessamos o Great Glen, a imensa falha geológica que divide a Escócia na diagonal e aí entramos de verdade nas Highlands escocesas, com destino à ilha de Skye.
De Skye subimos pelas margens do lago Ness até Inverness, e descemos outra vez até Edinburgh passando pelas belas montanhas do Cairngorm no centro do país. Aí visitamos (de penetra numa excursão de espanhóis) uma das destilarias mais altas da Escócia, e na minha opinião a que faz o melhor whiskey do país, a Dalwhinnie. O verdadeiro scotch single malt (diferente dos blends tipo Bells ou JB) se divide entre o produzido nas Highlands, no vale do Spey e nas ilhas. O malte é tostado lentamente a fogo de turfa, o que dá o gosto defumado característico do scotch, mais acentuado no malte das ilhas como o Talisker e mais suave no das Highlands como o Dawlhinnie.
Mas a Escócia foi muito mais do que eu esperava, além do whiskey e da gente simpática. De toda esta viagem, o que ficará marcado na memória é a sensação de subir no topo mais alto da ilha de Skye.
Skye tem algumas das paisagens mais marcantes da Escócia. É uma terra nova, desolada e ao mesmo tempo bela. Chegar ali é como se estivéssemos aterrissado sobre um planeta desconhecido, ou nossa própria Terra nas origens do tempo. Tudo é rocha, vento, água no céu, no mar, escorrendo das montanhas como se esta ilha acabasse de surgir das águas. E fogo, fogo de todas as guerras que esta terra já viu. Acho que o que emociona nessas montanhas, o que nos faz sentir primitivamente ligado a estas highlands é a crueza de uma vida brutalmente confrontada aos quatro elementos. E secretamente penso que no fundo de cada um há algo de highlander, um homem primordial lutando para sobreviver face à natureza inóspita, forte e orgulhoso de desafiar a morte e a tempestade.

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