Friday, January 22, 2010

O Guia Lopes da Laguna


O relato abaixo é do Visconde de Taunay, descrevendo a figura de José Francisco Lopes, o Guia Lopes da Laguna. Seria ele quem guiaria por aquele território e sustentaria com seus bois a tropa do Coronel Camisão, encarregado pela Coroa de repelir os paraguaios que haviam invadido o Mato Grosso em 1864.
Lopes era pecuarista no então longínquo sertão do Mato Grosso. O que Taunay descreve dá uma idéia aos desmemoriados da forma como o território brasileiro foi conquistado
:

"Tivera, desde a infancia, o pendor pelas entradas nos sertões brutos.
Contava-se também que um ato violento, da primeira mocidade, lhe impusera, durante algum tempo, este modo de vida. Viera depois a idade desenvolver-lhe todas as aptidões. Prodigiosamente sóbrio, viajava dias inteiros sem beber, trazendo à garupa da cavalgadura pequeno saco de farinha de mandioca, amarrado ao pelego macio, que lhe forrava o selim.
Jamais deixava o machado destinado a cortar palmitos. Nascido na vila de Piumhi, em Minas Gerais, dali, ao léu das aventuras, havia atingido todos os pontos da área que
se estende das margens do Paraná às do Paraguai.
A fundo conhecia as planicies que entestam com o Apa, divisa do Brasil e do Paraguai. Numerosas localidades até então virgens do pé humano, até mesmo selvagem, percorrera e a várias batizara (Pedra de Cal, entre outras).
Tomara, em nome do Brasil, posse, ele só, de imensa floresta, no meio da qual chantara uma cruz, grosseiramente falquejada, onde esculpira a inscrição P II (Pedro Segundo), imponente madeiro, perdido no recesso dos desertos.
Criava a iniciativa do sertanista domínios ao soberano.

Numa viagem para estudar a navegação do rio Dourado, afluente do Paraná, gravemente ferira a planta do pé, acidente de que jamais pudera curar-se. Um dia. como lhe víssemos a chaga, semicicatrizada, sempre a sangrar, disse-nos: "Prometeu-me o governo dar-me, a título de recompensa, trezentos mil-réis, mas nunca os pagou. Perdoei-lhe a divida; o que se me devia era uma condecoração; já a tenho e nada mais quero".
Durante sete anos, com a família, residira no Paraguai; mas no momento da invasão já estava de volta ao solo brasileiro, habitando, à margem do rio Miranda, uma propriedade sua, que batizara Jardim, fertilizada por seu trabalho e o dos filhos já crescidos. Ele e a mulher, D. Senhorinha, generosamente hospedavam quantos ali fossem ter.
Quando, em 1865, irromperam os paraguaios em território brasileiro, conseguira escapar-lhes, mas único da família, que caíra toda em poder do inimigo e fora transportada para a aldeia paraguaia de Horcheta, a sete léguas da cidade de Concepción. Com ela vivia o coração do velho guia.
Por todas estas razões, nele encontrou o coronel Camisão apaixonado adepto.
Desde que, dando-lhe a conhecer os seus projetos, acenou a José Francisco Lopes com o ensejo de, como guia da expedição, ir ter com a familia e vingar-lhe os agravos, empolgou o espirito do sertanista brasileiro, que, apesar de todo o ardor, jamais perdeu, contudo, a perfeita intuição das conveniências.
Assim, nunca esquecendo a modéstia da posição, freqüentemente dizia: "Nada sei, sou sertanejo; os senhores que estudaram nos livros é que sabem".
Era-lhe o orgulho num único ponto irredutivel, no que tocava ao conhecimento do terreno, legitima ambição, além do mais, pois dela nos proveio a salvação.
"Desafio, exclamava, todos os engenheiros com as suas agulhas (bússolas) e plantas. Nos campos da Pedra de Cal e Margarida sou rei. Só eu e os indios Cadiuéus conhecemos tudo isto".

A Retirada da Laguna, Visconde de Taunay

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