Monday, March 27, 2006

Il Caimano


Ha, recebi uma cédula de votação do governo italiano! Gostaria de votar contra o Lula em outubro no Brasil mas já que estou aqui na Europa mesmo e posso, vou votar contra Berlusconi. Os dois países dos quais sou cidadão estão com dois tipos de câncer da política.
O câncer de direita e o câncer de esquerda, ambos com a mesma raiz, o populismo que aposta na nossa burrice. E ambos com os mesmos sintomas: desrespeito às instituições e indistinção entre público e privado, entre partido e governo.
Esses dias está saindo na Itália o filme Il Caimano, de Nanno Moretti, uma sátira ácida sobre a era Berlusconi no país. O ator Elio di Capitani, que faz Il Caimano (Berlusconi) no filme explica:”O filme não é sobre Berlusconi, é sobre nós. O perigo não é ele, mas a nossa incapacidade de enxergar”.

The New World

Fui assistir The New World, de Terrence Malick. A primeira coisa que se deve saber sobre esse filme é que é um filme de Terrence Malick. Lento, muito lento, com direito a narrativas filosóficas de seus personagens, como em The Thin Red Line. Mas incrivelmente belo, na fotografia, no cenário, na música e na atuação dos atores, especialmente de Q'Orianka Kilcher com seus 15 anos. Realmente nos sentimos na Jamestown do início do século XVII.
O filme narra a história de amor entre o Capitão John Smith e a índia Pocahontas.
Pocahontas, uma princesa da tribo dos Powhatan, intercede junto a seu pai para que os índios não matem o recém chegado Smith. Os dois terminam por se apaixonar e Pocahontas abre um novo mundo para Smith, o mundo seu e de seu povo que desconhece a ambição, o ciúme, a posse. Para o capitão é impossível fazer ver aos fanáticos e gananciosos colonos o que o Novo Mundo pode ser. O fracasso do amor entre os dois é o fracasso desse novo mundo. E a vida que Pocahontas retoma, transformada em Rebecca, é o começo de outro.

Boi Cascudo


Esse boi é uma das minhas tentativas com pintura acrílica. Arte? Não, a não ser para mim. Coisa de criança. Mas há melhor maneira de passar um domingo chuvoso se divertindo com tintas e ouvindo uma música boa?
Esse boi eu pintei por ter me lembrado de uma história que lia quando criança em um livro de contos de Câmara Cascudo. Era sobre um touro branco muito bravo que aparecia de noite e desafiava todos os vaqueiros do sertão. Um dia um vaqueiro valente com a égua mais rápida do nordeste sai atrás do touro no galope, os cascos chispando fogo no meio dos mandacarus. Ao final de uma noite inteira de correrias, o vaqueiro todo sangrando e cheio de espinhos e sua égua bufando e morta de cansada encontram o touro, que se transforma num bezerrinho dócil como um carneirinho.
Imagino as crianças de hoje que não pintam, só jogam videogame. Imagino Câmara Cascudo e Monteiro Lobato, o Saci e o Negrinho do Pastoreio contra os Pokémon, as Meninas Superpoderosas e Harry Potter.
Como aceitar a globalização e a cultura pop que nos chega do mundo sem abandonar as tradições? Acho que negar tanto um como outro é bobagem. A diferença está no que vou me lembrar no futuro. Tenho prazer em recordar coisas belas, venham elas do passado ou do presente, do folclore ou da cultura pop. Mas talvez se estejam produzindo cada vez menos coisas belas. Talvez porque as crianças não pintem mais.

http://www.memoriaviva.digi.com.br/cascudo/index2.htm

Saturday, March 25, 2006

Oyster Boy e outras histórias



Tim Burton é com certeza um dos meus diretores de cinema preferidos. Um outsider de Hollywood, sempre visto como um “freak” do cinema, e mesmo assim criador de vários filmes que adoro como Edward Scissorhands, Beetlejuice, Sleep Hollow, Batman, Planet of Apes.
Seus modernos contos de fadas, darks e tragicômicos são um delírio de imaginação e visual.
Há tempos garimpei em uma livraria está pérola rara: “The Melancholic Death of Oyster Boy and other histories”, um livrinho escrito e desenhado por Burton.
Seus anti-heróis são tristes, patéticos e ao mesmo tempo doces.
Há Robot Boy, fruto da traição da Sra. Smith com um forno microondas. Há Roy, the Toxic Boy que morre ao respirar ar puro e quando sua alma sobe ao céu deixa um buraco na camada de ozônio. Há Vodoo Girl, cheia de alfinetes e quanto mais alguém chega perto dela mais os alfinetes a espetam. Há Mummy Boy, tragicamente morto ao ser confundido com uma piñata em uma festa mexicana. Stain Boy, o super herói cujo único poder é o de deixar manchas...E há Oyster Boy, que o pai mata e usa de afrodisíaco para melhorar seu desempenho sexual.
O único defeito de seus personagens é que eles são diferentes, freaks, e por isso carentes e sozinhos. Ninguém entende que eles também só o que buscam é ser amados.

http://homepage.eircom.net/~sebulbac/burton/home.html

Hamlet na lama


Há algo de podre no estado do Brasil...Quem leu a coluna de Merval Pereira no O Globo desta sexta feira sabe do que falo.
O caseiro Francenildo Costa ousou desmentir publicamente nosso Ministro da Fazenda Antonio Palocci. Não é a primeira vez que pegamos Palocci mentindo. Cesar Maia é especialista em denunciar as mentiras de Palocci em seu blog. Mas dessa vez a coisa foi pior. O governo mais uma vez decidiu que pode jogar no lixo o Estado de Direito e suas instituições.
O caseiro disse que Palocci está mentindo. Seu sigilo bancário foi ilegalmente quebrado e a Caixa Econômica diz precisar de 15 dias para saber quem foi, um procedimento que levaria normalmente 15 minutos.
O PT vem e diz que já que está quebrado vamos ver o que tem lá. O caseiro deixou que a Polícia Federal, que devia protegê-lo, fizesse uma devassa em sua vida, sinal de que não tem muito a esconder. E para completar a COAF o acusa de lavagem de dinheiro.
E ninguém se lembra que durante os meses que se passaram, Marcos Valério distribuiu pelo menos R$ 55 milhões entre os políticos mensaleiro (absolvidos), Duda Mendonça recebeu mais de R$ 10 milhões de caixa 2 em contas bancárias no Caribe, e Paulo Okamotto tem o seu sigilo protegido pelo STF para que não saibam de onde veio o dinheiro com que pagou as contas pessoais de Lula.
E nós, Hamlets do mar de lama estamos aqui com a caveira na mão indagando se há algo de podre neste lugar...Há, e sempre haverá, até que aprendamos a votar em quem merece, não nos que apostam em nossa estupidez.

Tuesday, March 21, 2006

Meu chão e a economia da social democracia


Essa foto é do chão da minha cozinha. Eu que pus sozinho (mentira, tive ajuda da minha esposa e de amigos). Mas não tivemos coragem de chamar algum pedreiro holandês. Por 3 metros quadrados a fatura certamente seria acima do aceitável. Esse tipo de coisa se faz sozinho por aqui. Ou no máximo usando alguma mão de obra clandestina, e por isso sujeita a multa ou processo. A economia nos países desenvolvidos normalmente usa a receita inventada por Henry Ford no início do século passado: produto barato, serviço caro. O chão novo foi provavelmente mais barato do que me cobrariam para colocá-lo. Se eu não quero pagar eu mesmo devo fazer. Mas pelo menos, os pedreiros que trabalham na Holanda (ou na Alemanha, ou nos Estados Unidos) podem viver decentemente com o salário que ganham, assim como faxineiras, encanadores, pintores e outros prestadores de serviço, ao contrário do Brasil onde nossa mentalidade casa grande & senzala nos faz olhar nossas empregadas domésticas não como funcionárias ou trabalhadoras mas como algo mais do que uma escrava alforriada.
Já entre USA e Europa, a diferença está na visão que se tem da economia. Embora a receita de Henry Ford seja aplicada cá e lá, nos USA o trabalho é para ganhar dinheiro.
Na Europa, o trabalho serve para se viver. Um limpador de janelas, serviço comum na Holanda já que os holandeses adoram vidraças, já se recusou a limpar a minha. Da mesma forma, o dono de uma gráfica recusou à minha esposa encadernar um livro. A razão para ambas as recusas foram as mesmas: afinal eles já tinham clientes suficientes para garantir sua renda sem precisar trabalhar mais tempo. Esses são dois exemplos, mas na verdade os holandeses são péssimos em serviço de modo geral.
Todas as conquistas da social democracia e dos direitos trabalhistas são consideradas sagradas por aqui. Dominique de Villepin meteu a mão no vespeiro ao cometer o sacrilégio de propor a lei do Primeiro Emprego na França. Tentando fazer diminuir a alta taxa de desemprego entre os jovens, a lei propunha flexibilizar o processo de contratação de jovens por parte do empresariado, inclusive dando-lhes o direito de demitir sem justificativa que tivesse no contrato de primeiro emprego. O erro de Villepin foi ter tentado fazer a lei passar na marra. Sindicatos e estudantes agora promovem a baderna que se vê no jornal. O importante para eles não é baixar o desemprego, (como seria a idéia americana), mas garantir o direito de não ser despedido.
Quem estaria certo, USA ou Europa? Não sei, mas sei que enquanto a economia européia patina a americana decola.

Sunday, March 19, 2006

Collapse


Estou lendo Collapse, de Jared Diamond. O autor é ganhador do Pullitzer e um dos mais respeitados intelectuais da atualidade. Diamond se dispõe a analisar as decisões críticas de civilizações da história antiga e recente que acabaram por levá-las a um colapso, especialmente as respostas de cada sociedade aos desafios ambientais que enfrentaram.
Segundo Diamond, os 12 problemas ambientais que podem levar uma sociedade ao colapso são a destruição de habitats naturais (principalmente deflorestamento), redução do alimento disponível naturalmente, perda de biodiversidade, erosão do solo, uso indiscriminado de recursos naturais, poluição da água, maximizar a exploração de recursos fotossintéticos, introdução de espécies estranhas e toxinas, alterações climáticas não naturais e superpopulação.
E se antigamente, o colapso de uma sociedade como a dos Mayas ou a da Ilha de Páscoa não afetava o resto do planeta, em um mundo globalizado como o de hoje tudo acaba nos afetando.
O livro promete. Voltarei a falar dele...

Brokeback Mountain


Finalmente assisti Brokeback Mountain. É realmente um grande filme. Lentamente somos levados da perda da inocência na montanha (biblicamente representada pelo cordeiro sacrificado) e arrastados ao mundo de dor dos dois amantes incompreendidos.
Os dois acabam presos em vidas que não escolheram, mas vidas que se esperavam deles. Vidas impostas por séculos de cultura puritana. E Brokeback Mountain é um mundo à parte, separado do resto, um mundo onde os dois podem ser quem são.
Provavelmente milhares de outras histórias de amor parecidas já deixaram de acontecer. Amores entre homossexuais, ou entre raças diferentes, ou condições sociais diferentes, ou culturas diferentes, ou simplesmente entre duas pessoas presas a outros compromissos.
O fato é que felizes são os amantes incompreendidos que conseguiram nas suas vidas achar uma Brokeback Mountain, um lugar onde o desejo superasse as estúpidas regras que nos cercam, nem que fosse por uma vez.
Da minha parte acredito que um dia ninguém precisará mais de Brokeback Mountains. No dia em que todos finalmente perceberem que a única regra que importa é a de que todo homem e toda mulher são livres.

Rugby


Acabou ontem o torneio das 6 Nações de Rugby. A França é campeã, Irlanda levou o Triple Crown. Ao contrário do futebol, o rugby da Europa ainda é o rugby arte, bonito de se ver jogar. Diferente do rugby técnico das nações do sul como Austrália, Nova Zelândia a África do Sul.
O rugby foi o único esporte pelo qual me interessei verdadeiramente. Arrebentei meus dois ombros jogando, mas paixão é assim mesmo. Para mim se não há possibilidade de se quebrar algum osso não é esporte, no máximo é um hobby. Rugby is the elegant violence. Um jogo de brutos, disputado por lordes. Você não verá jogadores insultando juízes, ou rolando no chão fingindo uma dor inexistente. Se você está no chão você não vale mais do que ele. Ignora-se a dor, levantamos e continuamos porque seu time precisa de você.
Rugby é uma batalha metafórica, uma conquista de território e tudo gira em torno de como proteger seus companheiros para ganhar a guerra. As cores, o gramado, os choques, os ataques, o scrum, o sangue, o suor, a lama, todo o jogo é plasticamente belo, dramaticamente belo.
Sim, eu tenho cicatrizes no ombro, mas quando vejo minhas cicatrizes lembro-me do Henrique V de Shakespeare no dia de São Crispim, às vésperas da batalha de Azincourt.
O que sobreviver a este dia, ao ouvir o nome de São Crispim levantará suas mangas e mostrará suas cicatrizes dizendo: eu lutei neste dia.
We few, we happy few, we band of brothers;
For he today that sheds his blood with me
Shall be my brother; be he ne'er so vile,
This day shall gentle his condition:
And gentlemen in England now a-bed
Shall think themselves accursed they were not here,
And hold their manhoods cheap whiles any speaks
That fought with us upon Saint Crispin's day.

Wednesday, March 15, 2006

Sophie Scholl


Não conhecia a história de Sophie Scholl até ontem, quando assisti ao filme indicado ao Oscar de melhor produção estrangeira e que ganhou os Ursos de Prata de melhor diretor (Marc Rothemund) e atriz principal (Julia Jentsch)) no Festival de Berlin.
Sophie, seu irmão Hans e outros amigos fazem parte da Rosa Branca, uma organização clandestina que edita e distribui panfletos contra o regime nazista e contra Hitler. Descobertos, são condenados à guilhotina.
O que comove no filme é ver como uma garota de 21 anos é capaz de permanecer fiel à sua consciência no meio de uma sociedade hipnotizada pela loucura. Enquanto todos se calam e abaixam as cabeças ao regime, Sophie pensa livremente, fala, argumenta, e desafia a Gestapo e a sociedade alemã. Sophie se nega a trair seu coração e se tornar mais um cordeiro do rebanho nazista.
Sua coragem é a mais valiosa das lições na luta conta a tirania. Desafiando o regime perdeu a vida, mas se o aceitasse perderia sua alma. No fim das contas daria no mesmo.
Julia Jentsch me pareceu ser a Audrey Tautou alemã, o mesmo sorriso tímido e a mesma inteligência no olhar. Merece o Urso.

Tuesday, March 14, 2006

Il Cavaliere, Lula e o quarto poder

Silvio Berlusconi transformou a Itália numa república de bananas. O desrespeito às instituições, a flagrante mistura de interesses públicos e privados e as constantes bobagens que diz me fazem estabelecer um inevitável paralelo com Lula. Mesmo que a biografia dos dois seja diferente, no exercícío das funções públicas, a esquerda de Lula e a direita de Berlusconi acabam se aproximando como as extremidades de uma ferradura.
O processo eleitoral italiano deveria ser acompanhado de perto pelos brasileiros. Como Lula, Berlusconi tenta se aproveitar ao máximo de sua exposição na mídia para recuperar uma imagem desgastada. Assim como Lula, Berlusconi é a prova de que não se perde dinheiro ao se apostar na estupidez do povo.
Berlusconi desempenhou um patético papel ao interromper abruptamente uma entrevista à jornalista Lucia Annunziata em um programa de televisão italiano. Incomodado pelas perguntas da jornalista despediu-se e deixou o estudio antes que se terminasse o programa.
O episódio por si só fala da importância da imprensa como quarto poder, como a melhor forma de confrontar nossos homens públicos em estados democráticos.
Através da imprensa, intelectuais como Umberto Eco e Dario Fo estão movimentando a Itália contra Berlusconi.
Os intelectuais e a imprensa brasileira deveriam fazer o mesmo. A discussão não é sobre ideologia, é sobre desmascarar a impunidade, o populismo e a corrupção.

http://www.libertaegiustizia.it/index.php

Saturday, March 11, 2006

Team America


Acabei de assistir Team America no DVD. Dos criadores de South Park, Matt Stone e Trey Parker, o filme é uma hilária e corrosiva sátira sobre a luta anti-terrorismo dos Estados Unidos. Encenado com marionetes, o filme fica ainda mais ridículo e engraçado. O grande vilão da história é o ditador norte-coreano King Jong Il que planeja destruir o mundo com armas de destruição em massa. Para impedi-lo, Team America sai explodindo o mundo caçando terroristas. O filme ridiculariza tanto a inconpetência da política externa americana como as celebridades liberais de Hollywood. Como eles mesmos dizem, only dicks can fuck assholes. É de rolar de rir ver Kim Jong Il jogando Hans Blix aos tubarões e cantando "I'm so lonely" em seu palácio. As falas dos bonecos do Team America ridicularizam todos os clichês que vemos nos filmes americanos, de Pearl Harbor a Top Gun.
Em um momento onde os americanos dão de presente combustível atômico à Índia, um país que nunca assinou o tratado de não proliferação de armas nucleares, esse filme é imperdível.

Oscar


Na minha modesta opinião, foi a melhor premiação do Oscar dos últimos anos.
Cada um dos prêmios foi merecido, e Crash foi mesmo o melhor filme que vi ano passado. Quem ainda não viu deveria vê-lo. Sou fã de Paul Haggis desde que escreveu Million Dollar Baby.
Sou fã de Reese Whiterspoon desde que vi The Election, de Ang Lee desde Crouching Tiger, Hidden Dragon. E sou fã de Rachel Weisz desde sempre.

Velas

Tenho jazz, velas e vodka. Esta é mais uma dessas noites solitárias onde meu pensamento voa longe. Não sei porque mas meu coração está gelado como o vento e o gelo lá fora.
Gosto de olhar as velas, como Rubem Alves. Não sei o que têm mas me atraem, convidam à reflexão. Com a vodka e jazz tento aquecer meu coração mas não há maneira.
Algo mais me falta. Materialmente me falta muito pouco, talvez alguns livros, um home theater e quem sabe uma ferrari. Intelectualmente me falta muito. Há tanta coisa que ainda não sei, tantos livros a ler, tantos quadros a admirar, tantas músicas a ouvir. Espiritualmente me falta um universo inteiro. Penso no texto de Peter Russell e tento ser otimista. Mas leio sobre as guerras, leio sobre Bush e seus acordos nucleares com a Índia, leio sobre corruptos sendo absolvidos no Brasil, leio sobre um homem que dá a volta ao mundo para visitar todas as lojas do Ikea (me lembro da regra do minuto, de que a cada minuto nasce um otário no mundo), leio sobre os 10.000 imigrantes africanos que aguardam uma travessia incerta entre a Mauritânia e as Canárias e volto ao pessimismo que me gela.
Não acredito em Deus. Não acredito por ser contra sua política. Como disse Calvin (o de Calvin e Hobbes), esse sofrimento todo é cruel ou arbitrário, e em todo caso angustiante.
Nunca pedi nada a Deus, ao menos nunca pedi nada para mim, talvez tenha pedido para outros. Imagino que ele tenha coisas mais importantes a fazer. Me lebro de uma frase de uma personagem de Steve Buscemi em The Island: “Quem é Deus? Sabe quando você pede muito para que uma coisa aconteça? Então, Deus é o cara que te ignora”.
Não acredito Nele mas faço o melhor para conseguir viver num mundo com menos sofrimento. Se Ele existe entenderá. Se não existe espero que meus filhos vivam em um mundo melhor que o meu.
Volto a olhar as velas queimando lentamente.

08/03 e o Malleus Maleficarum


Dia das Mulheres. Não deveria ser dia das mulheres todos os dias? Ou serão os outros 364 dias do ano propriedade exclusiva dos homens?
Alguém me telefonou outro dia. Eu estava cozinhando, minha esposa instalando um aparelho de DVD. Sinal dos tempos. Não me importo, sou feminista assumido. Se pudesse seria eu o dono de casa. Acredito que um dia mulheres e homens serão plenamente iguais. Não só em condições sociais, mas a evolução fará com que também nossos corpos se pareçam mais. O futuro é andrógino. Chegará o dia em que esportes serão disputados nas Olimpíadas com homens e mulheres ao mesmo tempo. Com cérebros cada vez maiores, a gestação e o parto natural serão impossibilitados, e chegará o dia em que teremos criado úteros artificiais, e a mulher se libertará finalmente da responsabilidade biológica da maternidade, a barreira última da desigualdade. Mas divago.
Enquanto o futuro não chega, mulheres continuam a ser compradas e vendidas. Violentadas, traficadas, exploradas, espancadas, isoladas, ignoradas.
Na Índia, na China, no Afeganistão, no Irã, em todo o mundo muçulmano e em toda a América Latina.
Me lembro dessas pobres estudantes na Arábia Saudita, presas em uma escola por um incêndio. Queimaram vivas pois aos bombeiros, homens, não era permitido vê-las sem o véu e por isso não puderam entrar na escola.
Me lembro das indianas, um fardo para as famílias que têm que arranjar bons casamentos e ainda pagarem um dote para se verem livres das filhas o quanto antes.
Me lembro das chinesas com os pés deformados para que permaneçam tão pequenos quanto os homens apreciam. Das birmanesas e seus pescoços de girafa, esticados por anéis de metais. Quando cometem adultério os anéis são retirados, e essas mulheres morrem por asfixia já que não têem músculos que sustentem seus pescoços.
Me lembro das africanas mutiladas, e de outras apedrejadas.
Me lembro das escravas brancas do leste europeu, nas vitrines do Red Light District de Amsterdam. Me lembro de todas as latinas que apanham dos maridos em casa.
Me lembro das marroquinas forçadas a casar aos 12 anos com homens que nunca viram.
Me lembro de todas as bruxas queimadas pela Inquisição, sob a guarda do Malleus.
Mas me lembro também de Ayaan Hirsi Ali, uma somali que fugiu de seu país aos 22 anos para escapar de um casamento forçado. Refugiada na Holanda, renunciou ao islã e tornou-se deputada. Escreveu com Theo Van Gogh o filme Submissão. Por causa desse filme Theo van Gogh foi assassinado e Ayaan está ameaçada de morte, o que a torna ainda mais insolente, mais irônica e mais livre.
Talvez o que tenha mais feito sucesso no Livro The Da Vinci Code de Dan Brown tenha sido exatamente a sugestão de que devessemos voltar a adorar o sagrado feminino.
Eu já adorava antes e adoro ainda mais depois de conhecer Ayaan Hirsi Ali. Antes o Da Vinci Code do que o Martelo das Feiticeiras.

Friday, March 10, 2006

Heart of Darkness


Estou lendo o Heart of Darkness, the Joseph Conrad, o livro que inspirou Apocalipse Now...
Publicada em 1902, o livro inspirou e ainda inspira muito a literatura moderna. Na verdade encontra-se a influência de Conrad até no Afinador de Piano sobre o qual já escrevi outro dia.
No livro, um marinheiro chamado Marlow conta sua saga como capitão de um barco a vapor subindo um rio no coração da África em busca de Kurtz, um ensandecido traficante de marfim.
A viagem de Marlow é ao mesmo tempo uma viagem à mais profunda loucura humana. Sua viagem de barco é uma metáfora para a viagem à besta adormecida que se esconde no subconsciente de todos nós.
De fato, olhando as notícias que nos chegam todos os dias não é difícil deixar de reconhecer que alguns homens ainda são mais bestas do que humanos, presos na própria insanidade.
Mesmo em alguns que se crêem civilizadores. Esta foi a tragédia do imperialismo na África.

Thursday, March 09, 2006

Sol de Barça


Fui a uma feira de negócios em Barcelona. Ossos do ofício.
Não se vêem pessoas. Vêem-se contas, créditos, gravatas e ternos caros, oportunidades de se levar vantagem. Os que estão aí medem-se mutuamente pelo que ostentam.
Haverá dia em que voltaremos a fazer negócios olhando o coração das pessoas em vez de suas carteiras?
É uma feira de alimentação. Uma miríade de novos produtos nos são apresentados, todos mais bonitos, mais baratos e cada vez piores. Forçados a baixarem sempre seus preços, as empresas que produzem buscam matérias primas cada vez mais mais baratas, e cortam os salários de seus empregados e seus benefícios ou deslocam suas usinas para os países onde a mão de obra é farta.
Paro para pensar, há alguma coisa errada aqui…Afinal os que trabalham, seja produzindo alimentos, carros ou serviços são também os que consomem. Se o seu poder de compra diminui, obviamente eles comprarão produtos mais baratos, não porque querem, mas porque são forçados a este comportamento.
A internet está cheia de serviços gratuitos que fazem sucesso e são sustentados por publicidade, mas chegará um dia em que a publicidade não vai servir para nada já que ninguém terá dinheiro para comprar o que se anuncia. Nesse tempo comeremos todos os dias geléia de proteína extraída dos restos do processamento de soja transgênica sabor tutti-frutti artifical liofilizada com todos os corantes e conservantes que merecemos, bem baratinha.
Saio para tomar um ar. Lembro me de que há ainda tapas a experimentar, vinho de Rioja, Gaudì, Mirò, gols de Ronaldinho. Vejo dois namorados se beijando em plaça de Espanya e lembro-me que há vida nas ramblas e que o sol sempre brilha na Catalunya.

Sunday, March 05, 2006

The White Hole in Time


Imagine que toda a história da vida no planeta, bilhões de anos de evolução biológica, fosse condensada no espaço e dum ano.
Durante os primeiros nove meses somente organismos unicelulares se desenvolveriam.
Em outubro, células mais complexas apareceriam.
Organismos pluricelulares surgiriam algumas semanas mais tarde.
No final de novembro, peixes deixariam o mar para viver na terra.
Dinossauros dominariam o mundo do dia 10 de dezembro até o Natal.
Na última semana do ano mamíferos se desenvolveriam.
Na metade do último dia, o homem andaria na Terra.
Levou- se 99,9% da evolução da vida no planeta para atingirmos esse ponto, mas a humanidade está apenas começando.
5 minutos antes da meia-noite aparece a linguagem.
20 segundos antes da meia-noite as primeiras civilizações, e agora as coisas aceleram.
A Renascença aconteceu à dois segundos atrás, e toda a história moderna do homem em um flash.
Aonde quer que estejamos indo, estamos indo rápido.

The White Hole in Time é um espetacular texto de Peter Russell, transformado em um belíssimo documentário curta metragem.
Apesar do sofrimento que assistimos todos os dias, Russell nos lembra que nossa história está apenas começando. A evolução da espécie humana nos deu a capacidade de pensar e de trocar experiências através da linguagem e a capacidade de modificar o ambiente à sua volta.
Tudo isso, aliado à imensa criatividade do homem e às poderosas ferramentas que a modernidade são as chaves para decifrarmos a pergunta que nos assola desde que nos tornamos conscientes de nossa existência: Para onde vamos?
Com a evolução da espécie humana, evoluiria também sua percepção do mundo numa espécie de “internet mental” de consciência.
Como estrelas que passam a vida queimando seu combustível para explodir numa supernova e depois tornarem-se buracos negros, Russell faz um paralelo dizendo que o mesmo pode acontecer com o homem. Depois de milênios de evolução, chegaremos a um ponto onde vamos assistir a uma explosão de consciência criando uma espécie de buraco branco no tempo. Um ponto “omega”onde seríamos plenamente conscientes de nosso lugar no universo e da essência da criação.
Nos encontramos hoje numa encruzilhada, num planeta degradado e super povoado e se não agirmos poderá ser o fim da nossa espécie. Amor incondicional é a única arma de que dispomos para passar essa encruzilhada e começarmos a jornada em busca de nossa consciência. Aceitar a evolução, aceitar a modernidade e aceitar o fato de que o outro é apenas mais um ser humano, como nós, buscando paz de espírito.

Quem quiser ler o texto original em inglês está nesse link:

http://www.peterussell.com/GB/WHITtext.html

Wednesday, March 01, 2006

O Afinador de Piano


Acabei de ler o belo romance O Afinador de Piano (The Piano Tuner) de Daniel Mason.
No fim do século XIX, Edgar Drake, um afinador de pianos é enviado da Inglaterra aos confins da Birmânia para afinar um piano raro transportado para lá a pedido do Major Anthony Carroll, um excêntrico oficial britânico apaixonado por música e ciência. Contrastando com a brutalidade da colonização inglesa, Carroll está disposto a conquistar os nativos pela música.
A viagem de Drake é na verdade também uma viagem dele ao interior de si mesmo. Saído da cinzenta Londres vitoriana, Drake é seduzido pelos aromas, sabores, cores e sons de um lugar belo e exótico, e se descobre capaz de muito mais coisas do que pensava.
Em uma história contada no livro, Carroll e seus soldados atravessavam a selva quando se viram sob a mira de bandidos birmaneses. Carroll saca uma flauta e começa a tocar uma melodia birmanesa. Os bandidos estranham, depois sorriem e os deixam. A melodia é a música que os birmaneses cantam quando fazem a corte a uma moça. Segundo Carroll, ninguém seria capaz de matar uma pessoa que o fez lembrar da primeira vez em que se apaixonou.