Saturday, April 29, 2006

Exercícios de Futurologia I


Em um futuro próximo...Digamos daqui a um século ou dois...
A população da Terra chegará a 16 bilhões de pessoas. Milhões morrerão de fome, doenças e disputas por água e petróleo.
Apesar da falta de alimentos ser compensada pelos avanços da ciência na agricultura, comida e água serão cada vez mais racionados. Carne será produzida por cultura in vitro em laboratórios, e vegetais em estufas a ritmos industriais.
O ambiente sofrerá devastadoramente e inúmeras espécies de plantas, animais e peixes desaparecerão do planeta, a começar pelos anfíbios.
Florestas serão uma sombra do que são hoje, tomadas pela desertificação.
Brasil, Índia, Rússia e China serão tão ricos quanto EUA e Europa, e consumirão mais energia e produtos do que o resto do mundo. Megacidades irão formar parte da paisagem.
A Africa ainda será o lugar mais pobre e atrasado. O Oriente Médio, seco de petróleo perderá grande parte de sua população que emigrará para outras partes do mundo.
Os países ricos tirarão toda sua energia de usinas nucleares. Os pobres lutarão pelos restos de petróleo e carvão da Terra.
Seitas e religiões de todos os tipos vão proliferar no mundo inteiro.
Mas nem tudo será tão ruim.
A pobreza em geral diminuirá, assim como conflitos armados que serão restritos às áreas mais pobres como África e Ásia Central.
Informação chegará com mais facilidade a qualquer ponto do mundo. Televisão, telefone, rádio, filmadora, câmera e computadores serão um único eletrodoméstico portátil e personalizado.
A democracia e o livre comércio avançarão.
Fronteiras entre países serão cada vez mais tênues.
Raças serão cada vez mais um conceito obsoleto e a população será cada vez mais miscigenada.
O homem terá ido a Marte.
Mas o nível do mar subirá a ponto de invadir cidades como Nova York, Amsterdam, Veneza e muitas outras. Milhões serão desalojados de seus lares.
Esta desgraça será nossa salvação.
Uma consciência geral finalmente tomará conta de governos e governados. O consumo de energia e de bens de consumo diminuirá, assim como a população começará a diminuir.
Só agora uma luta legítima por justa distribuição de riquezas e pela eliminação da miséria será levada por reforçadas instituições internacionais multilaterais.

A ser continuado....

Por falar em democracia


O Irã pôs o Ocidente em uma sinuca. Se não fazemos nada, lá estarão eles desenvolvendo uma bomba atômica e ainda repassando a receita a países como o Sudão. Se os atacamos vamos sancionar suas justificativas para ter uma bomba e para replicar ataques. Além do que, criaremos legiões de voluntários suicidas prontos a embarcarem em nossos metrôs.
Ouvi Condolezza Rice falar de seus novos planos para o Irã. Sem vontade de engajar um novo front de batalha a idéia agora é de financiar toda e qualquer oposição política ao regime.
O modelo para a empreitada é o que aconteceu na revolução laranja na Ucrânia no ano passado, e o que quase aconteceu na Bielorrússia este ano.
O projeto todo baseia-se no princípio de que a democracia não pode ser imposta a um povo. Ele deve ser antes de tudo desejada.
Está certo. A democracia é por enquanto o mais justo sistema de governo que temos, mas aplicá-la a tudo como um remédio milagroso pode ser um erro.
A democracia hoje no Egito fatalmente levaria a Irmandade Muçulmana ao poder, a mesma organização que está perseguindo cristãos coptas no país e assediando mulheres que não usam o véu. Foi a democracia que levou o Hamas ao poder na Palestina. Apesar de meu total apoio ao movimento que pede a queda do rei do Nepal, uma guerrilha maoísta no poder não seria evolução alguma .
Nem todas as revoluções levam obrigatoriamente a uma evolução. Algumas querem e nos fazer voltar atrás na história. Exemplos disso são a própria revolução islâmica no Irã, a revolta da vacina no Rio de Janeiro durante a presidência de Rodrigues Alves e a recente revolta dos estudantes franceses contra a lei do primeiro emprego.
Para que a democracia seja desejada, é preciso em primeiro lugar que indivíduos possam expressar livremente suas opiniões. Agora para que indivíduos tenham opiniões, é necessário que eles tenham livre acesso a informação.
Quanto mais iranianos tiverem acesso à internet, quanto mais livros chegarem e circularem no país, quanto mais iranianos conseguirem estudar fora, maiores serão as chances de se livrarem deste negro futuro que se anuncia.

Friday, April 28, 2006

God Save the Queen


O 30 de Abril é a festa da Rainha na Holanda, e da dinastia dos Oranje de Nassau. Resolvi ficar em casa hoje. Tempo frio, cerveja quente, música ruim, holandeses bêbados e muvuca nas ruas. Não é exatamente minha praia, mas é o mais parecido com o carnaval que eles têm por aqui.
A família real holandesa é até simpática, e custa menos ao governo holandês do que o Lula custa ao Brasil. Republicano convicto, em outros tempos eu diria: “Cortem-lhes as cabeças!!!”, mas hoje vejo que não é bem assim. Conheço hoje um país que conseguiu conciliar tradição e democracia, e é somente evoluindo que as tradições conseguem se manter vivas.
Acho que sempre se acreditou que os países e seus povos acabariam evoluindo para alguma suposta forma de governo definitiva, um denominador comum da vontade de todos. Muitos acreditaram que esta forma estaria no comunismo, e acabaram redondamente enganados.
Hoje, somos testemunhas de várias experiências de governo no planeta. Temos a teocracia islâmica em países como o Irã, ditaduras como a de Fidel Castro e Kim Jong Il em Cuba e na Coréia do Norte, parlamentarismo monarquistas ou republicanos na Europa, e presidencialismo no Brasil e EUA, partido único na China...Qual vai dar certo?
Só sei que nenhum sistema que queira suprimir a individualidade humana triunfará, pois liberdade de pensar é o que nos faz justamentes humanos.
Para mim, no fim, chegaremos mesmo a uma forma de governo única, onde cada indivíduo será plenamente responsável por seus atos, e capaz de se auto governar baseado puramente no respeito e amor ao próximo.
Até lá, viva a democracia, e se com ela conseguirmos manter nossas tradições, vida longa à rainha.

Tuesday, April 25, 2006

A Fogueira das Vaidades


Eu li há algum tempo a fascinante novela de Tom Wolfe sobre um bem sucedido yuppie de Wall Street preso em um imbróglio judicial depois de se meter em um acidente estúpido no Bronx.
Entre as personagens estão Sherman McCoy, o yuppie milionário que mora em um apartamento de 14 cômodos na Park Avenue, o réporter oportunista em busca de um furo que lhe dê notoriedade, o reverendo negro Reginald Bacon, exímio manipulador da opinião pública, um promotor ambicioso querendo vantagens políticas e a vítima pobre e negra.
Em uma sociedade onde tudo gira em torno de poder, raça e dinheiro, McCoy se transforma na mítica figura do Grande Réu Branco, o rico oferecido em sacrifício do qual todos querem tirar uma lasquinha.
Lembrei-me de seu livro "The Bonfire of the Vanities" ao tomar conhecimento do caso que está dominando a mídia Americana esses dias.
Dois jovens WASP’s são acusado do estupro de uma stripper negra. O crime teria ocorrido em uma festa do time de Lacrosse do Duke College, um dos mais prestigiados da costa Leste do país. Duas "dançarinas exóticas" foram contratadas para a ocasião. Durante a festa, a vítima diz ter sido estuprada por pelo menos 3 dos estudantes. A outra, Kim Roberts, primeiro disse que não viu nada, mas já mudou sua versão da história e agora acredita no estupro. Ela ainda enviou uma mensagem a um escritório de relações públicas em Nova York (o mesmo ecritório que representa a rapper Lil’Kim) pedindo consultoria sobre como usar essa fama repentina a seu favor.
As outras personagens são um promotor que quer ser candidato a reeleição e que busca votos da comunidade negra, e um advogado que busca publicidade, além é claro da mídia que transformou o caso no maior circo da atualidade nos EUA. Agora até o pastor Jesse Jackson se ofereceu para rezar com as vítimas…
A vida imita a arte. Os arquétipos de Tom Wolf estão todos aí, nos jornais do dia…

Monday, April 24, 2006

Wednesday, April 19, 2006

E=MC2


O petróleo bateu nos US$ 70 o barril. É o preço mais alto da história. A demanda é alta, mas o que afeta o mercado são os conflitos no Iraque e na Nigéria e os discursos inflamados do Irã e da Venezuela.
Por um acaso geológico, as maiores reservas de petróleo encontram-se na mão de poucos países, e a maior parte deles ainda sub-desenvolvidos. Para mim, estes mesmos países estão a desperdiçar hoje uma chance que nunca mais terão. Como explicar que um país que bóia sobre ouro negro como a Venezuela esteja usando os recursos que lhe advém do petróleo não para desenvolver o país mas em programas assistencialistas e populistas de Hugo Chávez? Ainda servem é claro para a compra de armamentos contra uma suposta invasão americana.
No Oriente Médio é bom nem falar, já que fora os sheiks e sultões a grande maioria da população continua em estado de absoluta ignorância e miséria. Mas talvez seja isso mesmo que os sultões e sheiks querem...E em países como Nigéria e Angola, o petróleo serve mesmo é para engordar a conta bancária da elite que controla estes países.
Um dia, os pobres descendentes dos que hoje governam estes países olharão para trás e se arrependerão da própria estupidez. A galinha dos ovos de ouro vai morrer, já que petróleo nào é infinito, e eles verão que ainda não aprenderam a produzir outras riquezas.
O Irã e seu presidente louco tentam convencer o mundo de que precisam de usinas nucleares porque não terão petróleo para sempre. É justo, já era uma idéia do Xá construir usinas nucleares no Irã. Mas é difícil de acreditar quando vemos Mahmoud Ahmadinejad declarar que deseja riscar Israel do mapa, testa mísseis de longo alcance e que inspetores da ONU encontram material destinado exclusivamente a produzir ogivas nucleares.
Eu já disse uma vez que nosso futuro é nuclear, mas não me refiro aos planos malucos do Irã, e tampouco me esqueço das vítimas de Tchernobyl, que esta semana descobriu-se podem ser muito mais numerosas.
Einstein descreveu há tempos a imensa quantidade de energia armazenadas nos átomos, provavelmente na única fórmula de física que é reconhecida até por um gari na rua.
Só que ainda não sabemos utilizá-la, a não ser em bombas ou em usinas perigosas.
Eu sonho com um dia que não chegarei a ver, mas em que seremos capazes de produzir toda a energia que precisamos através da fusão a frio. Uma simples caixinha do tamanho de uma pilha seria capaz de gerar toda a energia para uma casa por muitos anos. Sem guerras, sem crises, sem gastos, sem poluição, sem frio, sem calor, sem escuridão.
Esse dia chegará, e espero que até lá os que tem petróleo tenham sabido aproveitar.

Normandia


Minha viagem pela Normandia começou em Honfleur.
Esse antigo porto Normando é de onde saíam a maioria dos corsários franceses que saqueavam a costa brasileira em busca de pau-brasil. A madeira, usada como corante era levada de Honfleur para Rouen, tradicionalmente o berço da indústria têxtil francesa. A cor púrpura do tecido tingido com pau Brasil aparentemente estava na moda naquela época. O próprio nome do pau-brasil, ou Brésil viria do termo francês braise (brasa), para designar a cor da madeira. Houve ainda a história de um chefe indígena brasileiro, aliado dos franceses, que impressionado pelo poderio das armas de fogo decidiu enviar seu filho à França para aprender a fazer canhões. Depois de naufragarem e serem resgatados, o índio e seu protetor francês finalmente chegaram a Honfleur. O índio nunca mais voltou ao Brasil, casou-se e viveu o resto da vida como um respeitado cidadão da cidade. Estas histórias estão no excelente livro ‘‘Náufragos, Traficantes e Degredados’’ de Eduardo Bueno.
Honfleur é hoje uma cidadezinha frequentada por muitos turistas, na maioria ingleses, cheia de ateliês de arte e restaurantes e com um belo casario antigo.
De lá segui pela chamada Côte Fleurie, beirando o canal da Mancha. A paisagem é muito bonita, marcada pelas fazendas de maçãs e pelos pastos ocupados pelas vacas normandas, pintadas de marrom e branco.
Por essa estrada chega-se às praias do desembarque do Dia D, Sword, Juno, Gold, Omaha e Utah Beach. As lembranças da guerra estão em todos os lugares. Tanques, casamatas alemãs, cemitérios…O cemitério americano em Omaha Beach é a visão mais impressionante do lugar.
De lá pode se ir até o Monte Saint Michel, ponto final da minha viagem e fronteira entre a Normandia e a Bretanha.
O mosteiro erguido sobre o Monte Saint Michel, ‘‘La Merveille’’ é um dos cartões postais mais conhecidos da França e ponto de peregrinação para católicos. Segundo a lenda foi o próprio arcanjo São Miguel que convenceu o bispo Aubert de Avranches a erguer uma igreja sobre o rochedo, consagrada ao santo no ano 709. Situado na baía onde desaguam o Sena e outros rios, o monte antigamente só era ligado ao continente por uma ponte natural durante a maré baixa.
A maré chega a subir 12 metros na ‘‘velocidade de um cavalo a galope’’. Vários peregrinos e turistas já perderem a vida surpreendidos pela maré ou presos nas areias movediças que circundam o monte.
Na maré baixa são os carneiros que ocupam o pré-salé, os campos ao redor da baía.
Quem for tem que experimentar os pratos com frutos do mar, as galettes ou crêpes salgados e é claro um sauté d’agneau feito com o carneiro criado ali ao pé do monte e tudo acompanhado de uma cidra das fazendas de maçã da Normandia, e um trago de Calvados para finalizar !

Tuesday, April 18, 2006

Star and Stripes


Tive a oportunidade de conhecer neste último feriado um dos lugares que sempre quis visitar. As praias da Normandia onde as tropas aliadas desembarcaram em junho de 1944, na data conhecida como o Dia D.
Cerca de 53.700 americanos, britânicos, canadenses e franceses da Resistência perderam a vida na Normandia, assim como 200.000 alemães.
Somente na praia de Omaha Beach, onde o desembarque foi o mais sangrento, mais de 1.000 americanos foram mortos nas primeiras horas da batalha.
Visitei o cemitério americano, instalado perto desta mesma praia. Sob a neblina e garoa fina, as milhares de cruzes brancas perfiladas são uma visão ainda mais assombrosa.
Todo mundo que se diz anti-americano hoje deveria visitar este lugar. Um sacrifício desses não poderia nunca ser esquecido. Graças à vida destes soldados é que a Europa se livrou do nazismo e pode se tornar a comunidade que é hoje.
O anti-americanismo que tem tomado conta do mundo hoje é tão estúpido como qualquer outro –ismo, pois todos são derivados de fanatismo.
Os Estados Unidos ainda detém a economia mais forte do mundo, a maior produção científica do planeta e a cultura mais exportada.
Sim, eles elegeram Bush, mas nós elegemos Lula.
E tirando fora a desastrada política de Bush no Iraque, ou a desastrada política de Bush como um todo, os Estados Unidos têm sim, enquanto maior potência militar do planeta a obrigação de intervir em conflitos mundiais.
Eu sinceramente espero que, quando um louco qualquer, seja ele alemão, venezuelano, cubano, iraniano ou norte-coreano ameace explodir o planeta que eles estejam por lá para descer o porrete.

Thursday, April 13, 2006

Guernica


Vi esse quadro de Picasso estampado hoje em uma página do El País. Guernica como o próprio Pablo Picasso o definiu é un “cuadro herido”. O quadro em si tornou-se uma obra-prima cubista, um ícone do século XX. Foi inspirado no bombardeio da cidade basca de Guernica por esquadrões nazi-fascistas durante a Guerra Civil Espanhola em 1937.
Foi a primeira ação militar conjunta de alemães e italianos, e foi a primeira vez em um bombardeio teve por objetivo a destruição e morte de civis inocentes. Ver essa pintura é escutar os fantasmas de Guernica gritando dentro de nossas mentes.
Vejo outra notícia no jornal Le Monde. Traz a transcrição da conversa que aconteceu no vôo 93 da United Airlines, aquele que se espatifou na Pensilvânia no 11/09/2001. Trecho:
- We just, we didn’t get it clear. Is that United 93 calling?
- Jassim
- In the name of Allah, the most Merciful, the most Compassionate
- Finish, no more, no more
- No, no, no, no. No
- No, no, no, no...
- Go ahead, lie down. Lie down. Down, down, down...
- There is someone? Huh?
- Down, down, down... Come on, sit down. No, no, no, no...
- Down, down, down...
- Down
- No more
- No more, down
- Please,please, please...
- Down
- Please, please, don’t hurt me
Horror em forma de áudio.
Leio no Globo a notícia sobre a entrevista de Suzane Richtofen. Por coincidência vejo que quem comandou o bombardeio a Guernica foi Wolfran von Richtofen, parente distante da assassina brasileira.
Existem feras em todos nós. Uma besta aprisionada por séculos de civilização mas que volta e meia ainda se liberta e volta a nos assombrar.
Às vezes essa besta quer se disfarçar, usar a fé como desculpa como no vôo da United, ou uma ideologia como em Guernica, ou simplesmente quer se desculpar usando psicologia barata de revistas femininas, como no caso de Suzane Richtofen ou daquela mãe que atirou o filho na lagoa da Pampulha. Querer tirar de si a culpa dos respectivos crimes e dizer que fizeram o que fizeram por outros motivos, sejam eles o imperialismo americano, a droga, a política ou o que for.
Um crime é um crime, e atentar contra a vida de inocentes é o pior deles.
Civilização existe para que possamos domar essa fera primordial que existe em nós, e acredito que somos muito melhores hoje com civilização e vida em sociedade do que sem ela.
De qualquer maneira ainda vivemos em um mar de sofrimento que todos os dias testemunho nos jornais. Definitivamente ainda há um longo caminho a ser percorrido, e confesso que perco minha fé às vezes se um dia chegaremos lá.
Minha mãe outro dia puxou-me as orelhas justamente por ter deixado de acreditar em Deus. Contou-me uma história contada a ela por um padre jesuíta.
A história é sobre uma formiga minúscula que caminha sobre uma imensa toalha de renda. A formiga só enxerga buracos e nós pelo caminho, e por isso reclama sem parar da feiúra e da dificuldade de se caminhar por ali. Por ser minúscula não consegue ver a beleza do desenho formado pela renda. A metáfora serve para explicar que nós não conseguimos enxergar a complexidade da obra de Deus dada a nossa ínfima visão de conjunto.
O dia em que domarmos a besta será provavelmente o dia em que conseguiremos finalmente enxergar direito, e os fantasmas de Guernica ficarão presos só a um quadro.

Wednesday, April 12, 2006

Sunday, April 09, 2006

Rallumer les étoiles


Li uma entrevista de Umberto Eco na L’Espresso, sobre seu novo livro intitulado “A passo di Gambero”.
Eco afirma em sua entrevista que ao longo da história, a humanidade sempre teve momentos intercalados de evolução e de retrocesso, reforma e contra-reforma.
Ao que parece, estamos vivendo agora um desses momentos em que caminhamos para trás.
Da euforia do final da guerra fria passamos às guerras quentes do Iraque e Afeganistão e ao terrorismo.
Também voltamos às cruzadas de cristãos do Ocidente contra os muçulmanos do Oriente.
Da Declaração dos Direitos Humanos após o fim da Segunda Guerra Mundial há hoje quem defenda a tortura como mecanismo legal para interrogar suspeitos, o que aliás já está acontecendo nas prisões secretas da CIA, e pelas mãos de quem se comprometia a defender a liberdade.
O anti-semitismo está de volta, com judeus sendo mortos e seus cemitérios e sinagogas sendo profanados na França, e com chefes de estado no Oriente Médio brandindo os Protocolos dos Sábios de Sião e declarando desejar riscar Israel do mapa.
Jogadores e torcidas de futebol fazem saudações nazi-fascistas em toda a Europa, da Lazio ao Paris Saint Germain.
Grandes migrações de “bárbaros”voltaram a acontecer, com direito a imagens diárias de desgraçados afogados em praias espanholas ou asfixiados em algum caminhão nas fronteiras do leste.
Há que defenda o ensino do creacionismo na escola básica, inclusive no Brasil. A Igreja voltou a ser próxima do Estado e a influenciar as decisões de presidentes como George W. Bush.
Depois da revolução sexual dos anos 60 há movimentos pregando a castidade, contra os homossexuais e contra o aborto. Abro aqui um parêntese para falar do direito das mulheres ao aborto. Os homens e a sociedade retrógrada sempre encararam o aborto como um problema de mulheres que usaram o corpo levianamente. É claro que para eles este é um privilégio exclusivamente masculino. Como diz Umberto Eco, assume-se que todas as mulheres são putanas, exceto é claro nossas santas mãe e irmãzinha. Em 1971 a Nouvel Observateur publicou um manifesto onde várias personalidades femininas declaravam ter praticado o aborto dizendo “notre ventre nous apartient” causando furor na época, mas abrindo caminho para um pensamento mais aberto. Hoje, 35 anos depois voltamos atrás e queremos que impedir que as mulheres tenham o poder de decidir o que fazer com o próprio corpo. Maternidade é para ser desejada, é um direito e não uma obrigação. Their bodies, their choice.
Enfim, uma nova época de trevas nos ameaça. Nossa única arma é o conhecimento, o conjunto de tudo que aprendemos com a nossa própria História.
Renunciar ao que sabemos e às liberdades que conquistamos depois de séculos de luta por puro medo de mudança é nos rendermos à ignorância e ao fanatismo.
E hoje em dia, com a tecnologia de que dispomos, podemos fazer chegar esse conhecimento à todos os que precisam com uma velocidade que Gutemberg nunca imaginaria.
Precisamos de uma nova Renascença, um Iluminismo digital, capaz de abrir as mentes dos que querem nos levar para o passado.
Nas palavras de Guillaume Apollinaire: “Il est grands temps de rallumer les étoiles’’.

Wednesday, April 05, 2006

Frida


Estive em Lisboa, a trabalho, mas é sempre bom estar em Lisboa.
E dessa vez pude ver no Centro Cultural de Belém a exposição de Frida Kahlo. A mostra pertence ao Museo Dolores Olmedo da Cidade do México e já passou pela Tate Modern de Londres e pela Fundacion Caixa Galicia em Santiago de Compostela.
Através das fotos descobrimos aos poucos a história da mulher Frida, e através dos quadros descobrimos a alma dessa artista incomum.
Frida teve uma vida intensa mas nunca fácil. Desde sua infância no interior do México, a revolução mexicana, o acidente que destruiu sua coluna e sua perna e a deixou com dores pelo resto da vida, seu casamento conturbado com Diego Rivera, seus amores, homens e mulheres, seus abortos naturais, o comunismo, a pintura.
Sua pintura reflete precisamente seu estado de espírito, e na maior parte das vezes revela a dor e uma fina ironia sobre vida e morte. Frida nunca quis ser classificada como surrealista embora sua arte fosse exibida como tal. “O que pinto não é mais do que minha realidade” segundo suas próprias palavras.
Quem dera todos nós pudéssemos transformar dor em arte.

Radio jazz

A quem interessar possa:

http://broadcast.infomaniak.ch/radios/radiojazz_player.html

A marcha dos pinguins (e da vida)


Assisti ontem o documentário The March of the Penguins (originalmente La Marche de l’Empereur) de Luc Jacquet. O filme se tornou a maior bilheteria em documentários depois de Farenheit 9/11, e se você ainda não viu deveria ver.
Na Antártica, um dos mais inóspitos ambientes do planeta, o filme mostra como os pinguins imperador voltam a cada ano ao lugar onde nasceram, para encontrar uma parceira e juntos conseguirem fazer sobreviver a espécie. A marcha de até 70 milhas que pode levar várias semanas começa em abril. O acasalamento ocorre no final do verão antártico e durante todo o inverno são os machos que chocam os ovos enfrentando temperaturas de até –80°C e ventos de 100km/h. Enquanto isso, as fêmeas voltam ao mar para buscar comida para os filhotes que vão nascer. A dureza das condições e o esforço desmesurado dos pais são de comover. Percebemos aí o quanto é grandiosa a perfeição alcançada pela vida em milênios de evolução.
E isto falando de uma espécie em um continente onde a vida é rara e difícil, porém onde o homem ainda não causou maiores danos.
Existem milhões de outras espécies vivendo em ambientes ameaçados pela atividade humana. Espécies que também lutam desesperadamente para sobreviver.
E enquanto isso nós humanos, parecemos não respeitar nem mesmo nossa própria espécie, que dirá as outras. A perda da biodiversidade é irreversível. A natureza é um imensurável banco de dados genético que precisamos a todo custo manter, pois nossa sobrevivência dependerá disso.
Esse filme, antes de tudo, nos dá um novo respeito pela vida.

Saturday, April 01, 2006

Little Willies


Acabei de comprar o CD do grupo The Little Willies, e estou ouvindo aqui em casa. O grupo foi formado por 5 amigos em 2003, quando resolveram se juntar de vez em quando no Living Room, um bar do East Side de New York para tocarem juntos as músicas que os influenciaram em suas carreiras.
Os amigos continuaram se encontrando sempre que estavam em New York e depois de dois anos resolveram gravar um disco. O resultado é uma deliciosa mistura de jazz, country e blues. Tudo o que fez e faz do Sul dos Estados Unidos ser culturalmente a melhor parte do país.
E ainda melhor, com a fantástica voz de Norah Jones.

http://www.bluenote.com/thelittlewillies/#

Salve minha casa


Parece que resolveram levar o aquecimento global a sério. Está em todos os jornais e revistas por aqui. Eu levo o assunto a sério porque afinal minha casa encontra-se a 6 metros abaixo do nível do mar, e a Holanda provavelmente será o primeiro país a desaparecer do mapa caso o nível do mar suba pelo derretimento das calotas polares.
As geleiras estão se retraindo em todos os lugares, do Chile à Groenlândia. As neves do Kilimanjaro já não são tão eternas como eram. Na Holanda do século XVIII costumava-se patinar de Gouda a Rotterdam no inverno pelos canais congelados, o que não acontece já há muito tempo. E o clima convenhamos, está meio biruta mesmo.
Imaginem se Brasil, Índia e China conseguissem chegar no nível de industrialização do primeiro mundo...Não há camada de ozônio que aguente.
O grande vilão são os combustíveis fosséis como petróleo e carvão.
Ou mudamos nossa fonte de energia ou o planeta não vai aguentar e minha casa será moradia de peixes. Apesar dos biocombustíveis e outras alternativas pouco práticas em larga escala, temos que admitir que infelizmente, o futuro é nuclear.
Até lá vamos fazer nossa parte:

http://www.fightglobalwarming.com/

Tempus fugit


De todas as fotos de Robert Doisneau, a que mais gosto é essa. Essa e a do Baiser de l’Hotêl de Ville é claro. Mas são assuntos diferentes. Enquanto a foto do beijo é puro romance em forma de fotografia, essa foto chamada Le Cadran Escolaire de 1956 me faz pensar no tempo.
Não somos às vezes todos como esse molequinho na sala de aula, olhando ansiosamente a hora passar, com aquela certeza de que há muito mais para se viver lá fora para perdermos tempo com essas coisas chatas da vida?
Vamos trabalhar, enfrentar todo dia o mesmo tipo de problemas estúpidos, conversar com gente detestável a quem tratamos amigavelmente porque são nossos gerentes de banco, clientes, colegas ou chefes, em suma, assumir os ossos do ofício. Depois entramos no nosso carro, chegamos em casa, nos preocupamos com as contas a pagar e ligamos a televisão. Estaremos presos nessa “sala de aula” virtual sem perceber que o tempo está passando? Eu não. Quero ser aquele que lembra sempre de olhar para o relógio, senão chegará o dia onde perceberei que minha vida passou, e que o mundo só saberá que existi pela marca do meu traseiro no sofá.
Ouço essas histórias de gente que largou tudo para abrir uma pousada, dar a volta ao mundo em um veleiro, viver com tribos indígenas no Peru e sinto inveja. Esses daí pularam a janela da “sala de aula”, embora eu não imagine quem lhes pagam as contas, e isso me impeça de fazer o mesmo.
Bem, se não posso sair da aula chata quero lembrar sempre de olhar no relógio, lembrar que o tempo passa e lembrar de ter uma hora do recreio na minha vida, onde posso fazer o que gosto: ler, escrever, desenhar, viajar, ouvir um jazz...comer e beber com os amigos.