Wednesday, October 06, 2010

Opinião flexível


Editorial da Folha:

Uma pequena porcentagem de votos fez com que escapasse das mãos da petista Dilma Rousseff a chance de vencer a eleição presidencial no primeiro turno.
Ao impacto causado pelo escândalo envolvendo Erenice Guerra, principal auxiliar de Dilma na chefia da Casa Civil, somou-se nos últimos dias da campanha o peso de questões como a do casamento gay e da descriminalização do aborto. Eleitores contrários a essas propostas teriam identificado em Marina Silva uma representante mais confiável do que seria Dilma Rousseff.
Uma vez que é impossível, apesar dos esforços em contrário, reescrever a história da passagem de Erenice Guerra pela Casa Civil, lideranças do PT correm atrás do prejuízo eleitoral tratando de reescrever as posições do partido no que diz respeito ao aborto.
"Foi um erro ser pautado internamente por algumas feministas", declarou o secretário de Comunicação do partido, André Vargas, num pânico eleitoral tardio, e em meio ao vale-tudo de sempre.
Entre essas "feministas" minoritárias, seria preciso incluir a própria Dilma Rousseff, que em 2007 se declarava favorável à descriminalização do aborto: "No Brasil, é um absurdo que não haja".
Com a campanha, o discurso de Dilma Rousseff moderou-se, coincidindo com a tese oficial do ministério da Saúde do governo Lula: trata-se de encarar a questão da descriminalização do aborto não propriamente do prisma religioso, mas como um problema de saúde pública.
A tese, com a qual esta Folha já concordou por diversas vezes em editoriais, evidentemente não satisfaz quem considera, a partir de sua fé religiosa ou de suas convicções íntimas, a interrupção da gravidez como um atentado à vida de um ser humano.
O fato de que operações clandestinas, em condições das mais precárias, levem à morte milhares de mulheres todos os anos no país não é argumento, na opinião desses setores, para que o Estado ofereça acesso generalizado ao procedimento.
Trata-se, como aconteceu em inúmeros países, de matéria a ser resolvida em plebiscito; era o que propunha, aliás, a candidata Marina Silva, apesar de sua postura antilegalização.
Pesquisa do Datafolha, realizada em 2007, registrava forte maioria de opiniões contrárias à flexibilização nas regras em vigor. Estas, permitindo o aborto em caso de estupro ou risco de morte da mãe, contam com 68% de apoio da população.
Um debate continuado a respeito do tema, antecedendo a uma consulta popular, poderia - ou não - alterar esse quadro.
Na corrida por uma pequena porcentagem de votos, entretanto, o PT e sua candidata preferem apostar na desconversa e na mistificação. Condenam a descriminalização do aborto do mesmo modo que poderiam apoiá-la, fosse outra a ponderação dos marqueteiros.
Defenderão os sem-terra e o agronegócio, a Polícia Federal e o ficha-suja, a sexóloga feminista e o pagodeiro acusado de espancar a mulher, pouco importa - desde que esteja garantida a sobrevivência do seu esquema de poder.
É o único "direito à vida", aliás, que os mobiliza neste instante.

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