Sunday, June 18, 2006

Como Bin Laden estragou meu foie gras

Acordei de mau humor. Talvez por ter sido acordado pela luz que teima em entrar pela minha janela já às 4h30 da manhã no verão holandês. Ou talvez pela perspectiva de ter que passar o sábado de manhã fazendo compras. Mas meu dia foi melhorando sensivelmente e à esta hora em que escrevo já posso dizer que foi um ótimo sábado.Se não fosse Bin Laden.
Primeiro porque fui buscar no correio dois presentes que a minha mãe, ciosa da minha evolução cultural, me mandou do Brasil. Uma Antologia do Pasquim dos 150 primeiros números e a edição de maio da Primeira Leitura com a entrevista de Contardo Calligaris, o que me fez especialmente ter encomendado a revista.
Fui às compras sim, e comprei dois CD’s que sempre quis ter e por algum motivo que me escapa até hoje não tinha comprado: Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles e o Buena Vista Social Club.
Passei a tarde saboreando meu livro e minha revista, tomando meu café, um branco italiano de Villa Rocca e ouvindo meus discos novos. E ainda olhando de esgueio Portugal e Irã na TV, obviamente sem som.
Resolvi agradar minha esposa que estava em seu ensaio de balé para descontar meu mau humor da manhã e fui reunir o que estava de bom na minha despensa para um lanche. Copa de Parma, jamón serrano, salami, queijo Gouda, melão espanhol, e, gran-finale: foie gras francês. Tudo acompanhado por uma garrafa de Lersch espumante que touxemos da Alemanha. E depois ainda fomos ver Jennifer Aniston no cinema em The Break-up.
Voltei para casa a tempo de ver um documentário na BBC sobre a polícia anti-sequestro no Brasil, com destaque para o caso da mãe do Robinho. Entrevistas com o delegado gente boa que toca bossa nova no violão depois do expediente e com o Célio Marcelo da Silva, o “Bin Laden”, que aparece como um dos sequestradores mais perigosos do país.
Conclusões do dia:
1. Uma boa música e um bom livro melhoram o dia de qualquer um. Felizmente cheguei em uma fase da vida em que comprar um CD não arromba mais o meu orçamento da semana.
2. Boa comida também. Bom vinho idem. E é uma vantagem morar na Europa e ter tudo pertinho assim.
3. Futebol ruim melhora muito se assistido mudo. Especialmente se a narração é em holandês.
4. Não importa o que digam os defensores de diretos animais e outros eco-chatos, vou continuar sendo amante de foie gras, carnes em geral e touradas. Algum dia desses ainda explicarei porquê, mas simplesmente não aceito que me ditem o que devo por na boca ou não, especialmente se eles se consideram moralmente acima do resto da humanidade.
5. Jennifer Aniston está melhor ainda separada de Brad Pitt. Não importa o papel que ela faz, cada vez que a vejo na tela só dá vontade de entrar lá e pedir deixa eu ser seu Friend.
6. Não interessa o quanto foi bom o seu dia, há sempre desgraças acontecendo que te lembram do que a humanidade é capaz.
7. Eu devereia me sentir culpado por comer foie gras enquanto no Brasil um miserável sequestra alguém a cada minuto?
Volto a Contardo Calligaris e à principal conclusão da entrevista, que aconselho todos a ler. O indivíduo é no fundo o responsável por impedir o horror. Todos temos livre arbítrio e subjetividade para julgarmos e agirmos em cada momento de nossas vidas. Cada pessoa tem a capacidade de decidir pelos próprios atos. O sequestrador que não teve uma infância feliz, a mãe que joga o filho na lagoa porque acha que é oprimida, o político que assalta o país porque acha que seu partido tem uma boa causa, a filha que mata os pais por causa do namorado, o militante que depreda o palácio e fere um segurança porque acha que tem razão, todos esses deixaram de pensar por conta própria para agir por uma razão que lhes escapa ao controle. Mentira. Todos temos o poder de escolher. Mas é mais difícil exercê-lo e nos tornarmos responsáveis por nossos atos do que delegar nossas ações a uma causa, uma ideologia, a algum problema psicológico lido em revistas femininas.
O horror que presenciamos todos os dias no Brasil e no mundo, guerras, corrupção, crime, tudo isso não acontece por inevitável, acontece porque pessoas recusam-se a entender que um mundo melhor depende da ação do indivíduo, e não de uma causa coletiva.
Porque eu deveria me sentir culpado se trabalho, ganho um salário e pago meus impostos? Culpados são os pelegos imorais que justificam seus crimes como se não fossem eles quem os cometessem.

2 comments:

clabrazil said...

Pitaqueando...

Também acredito que o indivíduo seja responsável por seus atos. E que óbviamente há aqueles que se livram da culpa por um ideal qualquer. Mas, Fernando, o discernimento é uma dádiva que nem todos possuem. E o ambiente influencia, sim, nossa capacidade de fazer escolhas.

No fim das contas, só os fortes conseguem discernir.

Beijos,
Clarisse

Anonymous said...

Pra variar, seguindo sua trilha, gostaria de ler a entrevista. Rola uma copiazinha pra uma amiga?
Paula