Tuesday, September 04, 2007
Viver simplesmente
Meu novo hobby é colecionar filmes velhos. De preferência em preto e branco. E se for mudo ainda melhor. Filmes bons é claro. Já tenho em casa Nosferatu, de Murnau, filmado em 1922, um filme que supera e muito todas as cópias que já fizeram depois sobre a história do Drácula. Assisti outro dia Casablanca, de 1942, um belo filme de romance e guerra de um tempo em que homens eram homens e mulheres eram mulheres. Sábado passado vi o King Kong original, de 1933. E tenho ainda que assistir Double Indemnity, clássico do filme noir ganhador do Oscar em 1944. E ainda quero ter Metropolis de Fritz Lang, uma ficção futurista muda de 1927 e Dr. Strangelove, a impagável comédia de Kubrick de 1964.
Assitir esses filmes antigos dá sempre um impressão estranha, anacrônica da realidade, que acho que é o que me atrai mais neles. É interessante pensar por exemplo que aquele monstrengo de pelúcia e massinha que era o King Kong conseguiu apavorar multidões em seu tempo. Os "(d)efeitos especiais" do filme eram revolucionários em 1933. Como explicar que Casablanca e Double Indemnity sejam filmes infinitamente superiores a alguns feitos hoje em dia que custam centenas de milhões de dólares a mais do que estes custaram ?
A verdade é que no cinema, como em tudo hoje em dia, estamos eternamente insatisfeitos, queremos sempre mais, mais dinheiro, mais efeitos especiais, mais tudo. Precisamos trocar de carro, celular e computador a cada ano, roupas a cada estação, namorada a cada noite. Nossa casa está cheia de tranqueiras made in China, fabricadas por presos, crianças e desgraçados que trabalham 12 horas por dia por um punhado de arroz, com matéria prima sabe-se lá de onde. Nossa geladeira (hoje em dia duram uns dois anos, minha vó tem uma geladeira da minha idade) está cheia de comida pré-pronta, com gosto de isopor, em embalagens coloridas que vão parar todas no nosso lixo junto dos jornais e folders de propaganda que inundam nossa caixa postal como spam de papel. Tudo que temos e compramos parece ser plástico, descartável, pronto para ser trocado ou jogado fora, já que hoje em dia não vale a pena consertar mais nada.
Peter Russel, em seu excelente documentário The White Hole in Time diz que hoje em dia um ocidental médio consome 350 vezes mais energia do que há duzentos anos atrás. Multiplicando-se isso pelo aumento da população do planeta, a humanidade consome hoje mais energia por ano do que consumiu em todo o período que vai da Grécia Antiga até a Revolução Industrial. E até quando o planeta aguenta ? Imagine Brasil, Índia e China consumindo como americanos…
Também sou fã de Bill Watterson, acho seus quadrinhos do Calvin e Hobbes geniais. Neste por exemplo os pais de Calvin dialogam sobre as propagandas que recebem em casa. O pai se acha um terrorista atentando contra o sistema ao jogar fora propaganda sem ler. E chega Calvin dizendo : "Acabei de ver um monte de coisas na televisão que eu nem sabia que existiam mas que preciso desesperadamente". Henry Ford inventou a linha de montagem, a GM inventou o marketing moderno ao dizer que você precisava de carros de cores e modelos diferentes. E depois disso a Ford nunca mais vendeu como a GM. Essa é a verdadeira definição do marketing e a armadilha da nossa sociedade ocidental: o marketing é a arte de criar necessidades.
Nossa chance de salvar o planeta não está em comprar um carro híbrido da moda, ou jogar papel no lixo de papel de vez em quando. Está como Peter Russel diz na mudança de nossas crenças e valores. Está despertar a consciência, em em amar o outro. Está em descobrir que podemos espremer uma laranja em lugar de comprar um suco de caixinha com gosto de remédio. E em saber que não precisamos ter tudo o que aparece na MTV.
Precisamos reaprender a viver, sem tanta pressa e ganância. Ou como diz o poeta pernambucano Alberto da Cunha e Melo : Viver. Viver simplesmente, meu cão faz isso muito bem.
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1 comment:
Eita, sincronicidade! Juro que não tinha lido este antes de comentar o outro.
Olha, Fernando, ganhou uma fã!! ;o)
Penso muito nisso tudo.
Dia desses, meu telefone móvel de casa estava com defeito. Mandei consertar. Aí o cara me disse: "Olha, acho que não vale a pena vc. consertar. Sairá pela metade do preço de um modelo novo!". Fiquei boquiaberta. Respondi ao tal senhor que se eu pudesse voltar a falar com o 'antigo' (ele não tem 2 anos!) estava de bom tamanho, que um novo me custaria 50% a mais que o conserto e que se eu dispensasse o 'antigo', estaria produzindo um lixo desnecessário no planeta. Ele me olhou com cara de 'eureka', como se jamais tivesse pensado nisso tudo.
Acredito piamente (e tenho isso como filosofia de vida) que toda 'necessidade' premente deve ser analisada friamente. Fora o ar, algo para comer/beber, afeto, arte e liberdade, nada mais é realmente necessário ao ser humano. Alguns prazeres-extra? Perfeito, desde que com consciência. (e a salamandra tem um papel nisso tbém. ;o)
beijo e sorry se me excedi.
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