Sunday, October 05, 2008

Auto de Angicos


Me lembro bem de quando eu era criança pequena lá no norte, dos vendedores de literatura de cordel nas feiras e nas ruas. Ainda estarão por lá?
Lampião, o Rei do Cangaço, era tema recorrente nos livretos baratos ilustrados com xilogravuras tão tipicamente brasileiras. Os poeminhas exaltavam sua coragem, honra, bravura combatendo os sodados, e muitas vezes também seu instinto sanguinário e crueldade.
Por muitas vezes os intelectuais modernos tentaram estupidamente vislumbrar em Lampião um justiceiro, um revolucionário marxista a seu modo, um homem do povo. Pura bobagem, mas de certo modo, o banditismo lhe deu uma aura de herói do sertão que perdura até hoje.
A peça Virgolino e Maria, o Auto de Angicos, encena as últimas horas do casal de cangaceiros antes que fossem metralhados de surpresa pelos volantes do Tenente João Bezerra às cinco da manhã de 28 de julho de 1938.
Marcos Palmeira e Adriana Esteves interpretam Virgolino, o Lampião, e Maria Bonita no excelente texto de Marcos Barbosa, que felizmente foge da mitificação da personagem.
Despidos da indumentária de cangaceiros, os atores dão uma dimensão humana ao casal, despindo-os também de sua aura heróica.
Na madrugada chuvosa do dia em que morreriam, Lampião e Maria Bonita assolados por maus pressentimentos discutem como marido e mulher, brigam, se reconciliam, declaram seu amor e jogam conversa fora.
Há momentos de humor, a maior parte deles provocados pelas reações desaforadas da linguaruda Maria Bonita de Adriana Esteves. Para um mulher que deixou o casamento para entrar no cangaço, ela devia ter mesmo esse panache.
Há momentos trágicos, onde a crueldade e o sangue quente de Lampião são escancarados.
E um final bonito, ao mesmo tempo trágico e poético, onde os dois passam da morte à vida eternizada pela lenda que criaram, como nas fotos do turco Abraão.
Lampião foi o que foi, um cangaceiro, um homem do seu tempo e lugar. Nada mais, nada menos. Certo ou errado como ele diz, foi assim que ele fez seu mundo.

1 comment:

Lelec said...

Olá Fernando,

Às vezes, seu blog me deixa frustrado... Vir aqui, dessa lonjura toda em que estou, e ficar sabendo de coisas tão interessantes que estão acontecendo na cena cultural brasileira me deixam saudooooooso... Queria estar aí e poder ver essa peça sobre a qual você tão bem escreveu.

Abraço,

Lelec