Friday, December 05, 2008

A Lucidez Perigosa


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
- essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Clarice Lispector

1 comment:

bete p.silva said...

Como essa mulher conseguia dizer tanto em cada frase?

Olha, no livro O Grande Mentecapto de Fernando Sabino (não gostava dele) há um trecho em que o Geraldo Viramundo, num instante de lucidez, não consegue entender que está lúcido, mas sente vontade de pensar, então ele fica pensando: mas meditar em quê? Só que ele não conseguia pensar, embora soubesse que aquele era um instante em que estava sendo visitado pela lucidez.Pra mim esse instante salva o livro.