Tuesday, June 15, 2010

A mente servil


Vejo hoje com preguiça, crianças, jovens, adultos, senhores de idade, leigos e PhD’s militando por causas que não compreendem verdadeiramente em seu sentido histórico, julgando lutar contra um establishment do qual eles mesmos sem saber já fazem parte..
Se estudássemos mais História, esta esquecida musa, ela talvez não estaria tão condenada a se repetir como disse o próprio Marx.
Em Atheist Delusions, David Bentley Hart demonstra como o Iluminismo, pela primeira vez na história da humanidade colocou o homem e sua razão acima dos desígnios de Deus. As trágicas conseqüências disto ainda se fariam ver nas guerras nacionalistas e movimentos revolucionários que se seguiram até o Século XX.
Mas há diferenças básicas entre o Iluminismo anglo-saxão de Adam Smith, Edmund Burke e John Locke que deram na Revolução Gloriosa e na Independência Americana e o Iluminismo francês de Rousseau que daria na Revolução Francesa e no Terror de Robespierre.
Em uma imensa simplificação poderíamos dizer que um conduzia à liberdade, o outro pregava a igualdade como atributo essencial da sociedade.
O que a História poderia ter nos ensinado é que um leva à democracia, o outro, necessariamente à tirania, pois liberdade e igualdade, ao contrário do que a bandeira francesa diz, não se resolvem com fraternidade.
David Horowitz em The Politics of Bad Faith afirma que nossa suposta convicção de que os conceitos políticos de esquerda e direita foram superados após a queda do muro de Berlim não poderia estar mais equivocada.
Os movimentos revolucionários do Século XX, utopias igualitárias de sociedades ideais, semearam milhões de cadáveres pelos quatro cantos do planeta. Disfarçada, a nova esquerda renasce, com o argumento de que os desastres passados foram distorções do pensamento socialista, e não sua face verdadeira.
Sem peso na consciência, os novos esquerdistas (travestidos de liberais nos EUA, e sociais alguma coisa na Europa e na América Latina) perseguem ainda sua utopia igualitária, e pior, deformando a democracia para este fim, o que é claramente visível especialmente na América Latina bolivariana.
Antonio Gramsci, o teórico comunista italiano, definiu que uma Revolução bem sucedida seria aquela cuja ideologia conseguisse se tornar um pensamento hegemônico na sociedade. Os ensinamentos gramscianos foram perfeitamente observados e a esquerda passou a agir onde seu efeito na sociedade seria mais eficiente: na mídia e na academia. Em Pureza Fatal, Ruth Scurr descreve como Robespierre já imaginava um amplo sistema público de ensino para a doutrinação da juventude.
De fato, este novo pensamento hegemônico tornou-se o establishment, e permeou-se em todos os níveis da sociedade. Da economia estatizante ao estado do bem-estar social, da praga do discurso politicamente correto aos ataques à religião, do relativismo cultural ao anti-americanismo boçal dos bolivarianos, culminando com a ampla tolerância moral da sociedade contemporânea.
Esquerda e direita não existem mais? Existem. Mas mesmo o partido mais à direita no cenário político hoje, tanto no Brasil como nos EUA ou na Europa estão subordinados a essa hegemonia do politicamente correto. Talvez a definição de Olavo de Carvalho, de revolução e reação (os chamados conservadores de hoje, que paradoxalmente foram os liberais do Iluminismo) seja mais adequada.
Mas o mal é ainda maior pois a nova democracia esquerdista não só tem a pretensão de proteger os indivíduos uns dos outros, com sua obsessão igualitarista, mas também cada indivíduo de si mesmo.
Kenneth Minogue em seu artigo Morals & the Servile Mind, diz que “A função do governo, poderíamos pensar, é de fornecer o molde da lei dentro do qual podemos buscar nossa felicidade por nossa própria conta. Mas ao contrário disso, estamos sendo constantemente convocados a nos reformar. Em democracias é o governo quem nos presta contas, não devemos ser nós a prestar contas a ele.”
De fato, nosso atuais governos odeiam nos ver fumar, comer gordura, educar nossas próprias ciranças (homeschooling dá cadeia no Brasil). Minogue completa: “Não devemos ter dúvidas de que a nacionalização da vida moral é o primeiro passo para o totalitarismo”.
Luiz Felipe Pondé faz observação semelhante em seu artigo As Moscas Livres, mas inclui a sociedade militante do ambientalmente correto nessa marcha rumo ao totalitarismo:
“Quando se delira com demônios, o ridículo é visível. Mas quando o delírio vem regado a cálculos "científicos", se torna invisível. A modernidade tem um fetiche pelo controle cientifico da vida, não resiste ao gozo da opressão em nome da ciência...Como toda forma de fascismo, sempre se trata, ao final, de uma forma de ódio aos humanos reais, no caso, em nome do amor às lesmas... Basta somar "dados científicos" à máquina gestora do estado e do mercado constrangendo o comportamento com leis, impostos e produtos. E, finalmente, somemos os "Kommandos" (os ativistas) que denunciarão os "poluidores" à gestão da pureza....Os "não sustentáveis" serão a bola da vez. Temo que um dia esses fascistas verdes chegarão a conclusão que (como diz um amigo meu bem esquisito) o canibalismo é a forma mais sustentável de viver.”
De fato, o ambientalismo militante (ou eco-stalinismo) é o último tijolo da nova utopia esquerdista, seus propósitos servindo perfeitamente ao controle estatal, e desta vez com pretensões planetárias. A ameaça imaginária das mudanças climáticas é a chave para uma transferência sem precedentes de capitais e tecnologia de países desenvolvidos para países em desenvolvimento. É o projeto da utopia igualitária em escala global, e por mais bem intencionado que seja, passa necessariamente pelo totalitarismo.
Giuliano da Empoli em seu ensaio La Peste et l’Orgie trata em um certo capítulo do surgimento da über-class das celebridades, catapultadas por Hollywood e pela MTV ao Olimpo social. Em uma era onde atenção é a commodity mais disputada do mercado, a capacidade de chamar a atenção é o atributo mais importante do indivíduo, o que torna absolutamente normal o comportamento bizarro ou imoral de seus maiores representantes. Este estilo de vida é erroneamente apontado como uma afronta ao establishment, quando na verdade tornou-se o próprio establishment, e as celebridades role-models a serem seguidos (não é a toa o sucesso dos reality shows onde podemos todos ter nossos 15 minutos de fama preditos por Andy Warhol).
Em uma analogia, quando a apologia ao politicamente correto torna-se o pensamento hegemônico na sociedade, a militância que pensamos ser uma afronta ao establishment da ultrapassada civilização judaico-cristã-ocidental é na verdade a base de apoio do establishment atual.
Tal como na fábula de Orwell, não distinguimos mais os homens dos porcos.
Como a utopia igualitária tornou-se hegemônica na sociedade é uma questão que deixo aos poucos intelectuais livres que ainda restam analisaram, mas tenho um palpite. O caminho da servidão é realmente muito mais fácil do que o da liberdade.
Em Soft Despotism, Democracy’s Drift, Paul A. Rahe’s mostra como a nova forma de despotismo chega de forma gentil. Nos diz que temos direito à moradia, direito à aposentadoria, direito a um emprego, direito a um plano de saúde, e agora como novidade direito à segurança ambiental e alimentar. As ofertas são tão tentadoras que a maioria das pessoas abdica facilmente da própria liberdade em troca dessa segurança providenciada pela mão estatal. Mas a cada vez que nos empurram um desses direitos, nos arrancam nossa liberdade, nossa responsabilidade e a capacidade de decidir nosso próprio destino.
Se eu prefiro prestar contas a Deus, há quem prefira deixar suas escolhas nas mãos de quem pensam escolher melhor por eles.
Mas acho que é hora dos jovens que se pretendem contestadores deixarem de aceitar o que o establishment lhes oferece como caminho da verdade e voltarem à socrática indagação do “por quê?”
Refletindo se a vida moral pode resistir a essa nova democracia, Keneth Minogue diz que “na deliberação sobre nossas obrigações para com o próximo, e em agir sobre o que decidimos, vamos descobrir quem somos e nos revelar para o mundo. Este tipo de auto-gestão emerge da vida interior e é o fluxo de pensamentos e decisões que nos tornam humanos. Na medida em que este elemento da nossa humanidade tem sido apropriado pela autoridade, somos todos diminuídos, e a nossa civilização perde o caráter especial que tornou-se o animador dinâmico de tanta esperança e felicidade nos tempos modernos.”
É a este elemento de desumanização que ele chama de mente servil.

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