Wednesday, September 05, 2007

Eillen, a guerrilheira


Eu já quis ser guerrilheiro. Mas eu tinha 10 anos e meu filme preferido era Rambo II. A capa do meu caderno era o Che Guevara. Bem, eu cresci e tomei juízo, não é? Felizmente, mas tem gente que não toma. A idéia que a juventude tem da guerrilha é de um romantismo especialmente apelativo para adolescente sem causa e sem cérebro. Imagine sair por aí guerreando pela liberdade, libertando oprimidos... Outro dia vi em um aeroporto espanhol um cartaz com as fotos dos ETArras procurados por terrorismo. Todos com cara de 20 e poucos anos. Jogar pedra na polícia deve ser mesmo mais divertido do que estudar e arrumar emprego. O problema é que quando não se tem uma causa própria é preciso achar uma. E como eu já disse antes, o terceiro mundo virou a Disneylândia da garotada européia. Adoram uma favela, querem usar havaianas e camisa de futebol o dia todo e achar um pobre para chamar de seu.
Eillen é o nome de guerra de uma holandesa que resolveu entrar para as FARC. Hoje em dia deve ter também seus vinte e poucos anos a julgar pela foto que apareceu essa semana nos jornais. Se ainda vivesse na Holanda provavelmente estaria aqui vestida de preto com cabelos roxos e um piercing na língua e outros três na sombrancelha. Mas Eillen visitou a Colômbia em 2000 para o lançamento do Movimento Bolivariano com um grupo de outros jovens europeus. Em 2002 ela voltou e se juntou à guerrilha colombiana como tradutora. Em 18 de julho passado, o exército colombiano atacou de surpresa o acampamento do comandante Carlos Lozada onde ela estava. Na hora do ataque, Eillen e outras tomavam banho em um rio próximo, e conseguiram fugir quase sem roupas. Os atacantes descobriram além do computador de Lozada com segredos e planos das FARC, os diários da garota holandesa que foram divulgados pelo jornal El Tiempo na Colômbia e em seguida por outros na Europa.
Eillen revela o dia a dia da guerrilha e faz desmoronar todo o romantismo da coisa. As vezes se pergunta “que organização é essa onde uns tem vida mansa e cigarros, e outros só têm o direito de levar bronca”. Outro dia anota estar “cheia das FARC, dessa gente, da vida em comunidade, cheia de não ter nada para mim. Tudo valeria a pena se eu soubesse porque estamos lutando, mas eu não creio em nada mais”. Conta seus amores com outros guerrilheiros, diz que dois outros têm Aids e que ninguém ali usa preservativos. Reclama da hipocrisia, do sexismo e a arrogância dos comandantes. Diz que está cheia de multas por mau comportamento. E em outras vezes se imagina comendo batata frita na estação de trem de Amsterdam. Pergunta-se se fez a escolha certa. Conta das cartas que recebe da mãe com reprimendas. Mas decide, “a selva é meu lar”, “as FARC são minha família”, “essa é minha vida de guerrilheira, eu escolhi”.
Eillen era uma rebelde em busca de uma causa. Escolheu uma e está pagando o preço pela própria escolha. Não sei porque mas tenho pena dela, perdida na selva e nos próprios pensamentos. Torço para que um dia descubra que o que as FARC realmente são, traficantes e sequestradores.E que talvez um dia se arrependa. E que volte para sua mãe na Holanda, para comer uma batata frita.

Em tempo: os jornais holandeses já descobriram quem é Eillen. Chama-se Tanja Nijmeijer e tem hoje 29 anos. Trechos do diário:
http://docs.google.com/View?docid=dfdftkwg_45hkzkzg

4 comments:

Anonymous said...

Excelente post, bem Fernando. Adorei.
Bjs,
Paula

Cris said...

Fernando,
As vezes te acho tão categórico nas afirmações, não me leve a mal, mas nem eu nem você, nem ninguém pode dizer exatamente o que se passa internamente com alguém, temos uma vaga, idéia, o real, nem mesmo ela a moça sabe direito, já que questiona tanto, ela parece que procura, procura... tem uma música linda do Jorge Drexler, inclusive está no filme diários de Motocicleta:
Sobre todo creo que
no todo está perdido
Tanta lágrima, tanta lágrima
y yo, soy un vaso vacío

Oigo una voz que me llama
casi un suspiro
Rema, rema, rema-a
Rema, rema, rema-a

Não sou a favor do terrorismo tá...

patricia m. said...

Fernando, eu nao tenho pena dela nao. O mundo esta cheio de idiotas uteis para essas causas inuteis, ela eh apenas mais uma.

deboraHLee said...

Olha, Fernando. Eu morro de pena!

Não por ela estar sendo 'usada'. Não acredito em vítimas absolutas (a não ser, é claro,quando se trata de crianças ou de indefesos naturais). Tenho pena por ela ter um cérebro tão limitado; uma cabeça tão estreita e maniqueísta. Por achar que se deve matar ou morrer por uma causa. Nenhuma causa neste mundo vale uma vida.

Tenho pena de nós, humanos, que precisamos criar ídolos, gurus e causas "nobres" para tapar o rombo da nossa carência existencial. Beijo.