Thursday, December 28, 2006

Choque de civilizações


Como vocês sabem eu estou de férias no Brasil. Moro na Europa desde 99 e pelo menos uma vez por ano tenho que vir para cá recarregar as baterias. Nem tive tempo de ver que o blog virou destaque na Gazeta dos Blogueiros e no Links e Sites. Meus sinceros agradecimentos a todos e minhas desculpas aos que enviaram comentários que eu (ainda) não respondi. Logo que eu voltar para a paz e a tranquilidade de casa na Holanda prometo voltarei com a programação normal.
Quem passa muito tempo fora do Brasil e volta entende o que vou dizer. Quando regressamos assim depois de um ano longe acabamos vendo as coisas de um jeito diferente. Algumas coisas que não chocavam antes hoje já saltam aos nossos olhos. Para começar a própria visão da cidade de São Paulo do avião já é um choque. Aquela monstruosidade de concreto se espalhando como um câncer na mata Atlântica é inconcebível. A Grande São Paulo tem mais habitantes do que a Holanda. E o trânsito de São Paulo, seja sob um sol de rachar ou seja sob a chuva tropical? E os motoboys passando feito loucos entre carros e caminhões? Ambulantes vestidos de Papai Noel no semáforo quando faz 40°C lá fora...
Outra coisa que choca são as grades, os cacos de vidro no muro, as cercas elétricas, as travas, correntes e cadeados. Algo que não percebemos aqui, mas as nossas próprias casas estão se transformando em presídios. Lembro da música do Rappa (que soa melhor cantada pela Maria Rita): qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz...
E como brasileiro adora comer. Em dez dias eu tenho a impressão de nunca ter saído da mesa. Aliás desci do avião e fui parar direto num rodízio às dez e meia da noite. Me sinto um daqueles gansos de foie gras enquanto a balança indica que caminho vertiginosamente para os três dígitos de peso e o único músculo do meu corpo a se exercitar é o panceps, também conhecido como músculo brahma. Mas especialmente neste período tudo é festa. Uma russa que por acaso veio cair de pára quedas na festa da minha família disse que nunca viu nada igual na vida dela. Absolutamente extraordinário ela me confessou. As promessas de dieta vão para o ano que vem com todas as outras.
Mas o que choca mesmo, o que continua chocando cada vez mais os estrangeiros e visitantes como eu é a enorme diferença entre a riqueza e a pobreza no Brasil, diferença essa contra a qual os brasileiros estão cada vez mais anestesiados. Durante essas férias passei pelo Shopping Center de Higienópolis em São Paulo e visitei uma casinha popular na periferia de Catanduva. É inimaginável, ainda mais para alguém que conhece o Estado de bem-estar social holandês que estes dois cenários pertençam ao mesmo país.
Alguém imaginaria que o governo Lula daria um jeito nisso. Mas é absurda a solução que o governo do PT e seus brilhantes economistas nos estão propondo.
O PT quer que a renda seja melhor distribuída e que a sociedade fique mais igualitária. Em vez de fazer a economia crescer damos esmola aos pobres e empobrecemos a classe média. Estatisticamente será uma maravilha, em vez de sermos como a Holanda onde todos são ricos seremos todos igualmente pobres (menos os banqueiros que adoram o governo Lula), como são Cuba, a Bolívia e o Paraguai, países onde a distribuição de renda é melhor do que a do Brasil.
Mas é Natal, os vendedores solícitos jogam a loja aos seus pés, naquela falsa cortesia de quem deseja desesperadamente o dinheiro da comissão (na Holanda você precisa implorar para ser atendido). E o povo compra pagando juros escorchantes em cinquenta prestações, e a porcaria do móvel ou do eletrodoméstico que eles podem pagar estará quebrado e sem garantia antes que acabe o crediário. E o pior é que esse “pobrismo” dos nossos dirigentes que contamina a política econômica acaba contaminando todo o resto. O que nós brasileiros vemos, lemos, compramos, comemos, vestimos, construímos será cada vez mais barato, mais vulgar, mais feio. O perigo é que isso acabe contaminando também nossas cabeças. E já está. Leiam a coluna do Mainardi na Veja desta semana. Essencial.

3 comments:

Anonymous said...

Eu também estou longe, mas ontem, nem precisei ir até o Brasil pra entrar em depressão profunda. Estou de luto às vésperas do ano novo.

Meus amigos perguntam: vc não sente saudades? Sinto sim: da família, amigos, da praia, da alegria. Isso, nunca mais vou encontrar como tinha no Brasil. Mas será mesmo que eu quero voltar pra ver corpos carbonizados em ônibus, estacionar meu carro na rua e além de ter que pagar flanelinha, ainda voltar e encontrá-lo completamente destruído por tiros? Será que eu quero voltar e me dar conta de que meus pais e irmão vivem num estado entregue aos bandidos e podem se tornar vítimas como eu fui quando vivia lá?

Estou de luto. Realmente triste. Minhas lembranças mais queridas do meu passado agora se transformaram em realidade. Acordei. Chegou a hora de amadurecer e dar ainda mais valor ao lugar onde estou agora, com todo o frio, toda as privações emocionais.

Escrevo isso com dor no coração. Me emociono e me esforço para segurar as lágrimas. É tão triste ver a sua terra, a sua raíz, ser deteriorada continuamente sem que ninguém faça absolutamente nada...

A notícia foi destaque em todos os jornais e TVs da Holanda. Por isso, não posso nem fingir que não sei.

Eu divido com vc, Fernando, mesmo à distância, esse sentimento misto. Hoje principalmente, mais de impotência, indignação e revolta.

Paula

Anonymous said...

Faço minhas as palavras de vocês, mas não podemos esquecer que o Brasil não se resume apenas as cidades do Rio e de São Paulo, há ótimos lugares por aqui que ainda se possa viver com segurança e tranquilidade.
Voltem precisamos de pessoas como vocês habitando este País.

clabrazil said...

Oi Fernando,

Dói bem no coracao da gente.
Tô morrendo de saudades mas também de medo.

Descordo no entanto com essa idéia de que o governo esteja dando esmola para pobres. Em qualquer Holanda ou Alemanha há seguro disso, seguro daquilo. Kindergeld seria esmola? E seguro desemprego de 60% do último salário?

No mais, vou ler a coluna do Mainardi mas nao vou acreditar em tudo que leio na Veja. Por ser a maior revista semanal brasileira tem inegavelmente o rabo preso aqui e acolá...

Beijos,
Clarisse