Saturday, May 13, 2006

Mors certa, hora incerta


Vou falar sobre a Morte. Devíamos falar mais sobre a morte. Eu ainda mais pois desde que me conheço por gente fujo de velórios, cemitérios e hospitais como o diabo da cruz. A idéia me veio porque andei lendo uma edição especial da Nouvel Observateur toda escrita por filósofos discutindo exatamente a morte.
Antigamente a morte estava no centro de nossas sociedades, representada nos cemitérios em volta das igrejas. A morte era mais comum. Pessoas morriam muito mais facilmente do que hoje. Com o progresso da ciência e da medicina, a morte virou um assunto evitado. A morte virou algo restrito à terceira idade, não se tem que pensar nisso enquanto somos jovens.
Engano. A consciência da morte é de fato uma das coisas, juntamente com o pensamento e com a linguagem que nos faz humanos. O homem é o único animal que sabe que vai morrer um dia. E isso aprendemos pela perda do outro. Na história de sua evolução, o homem se tornou humano a partir do momento em que começou a realizar seus ritos funerários, há 80.000 anos atrás. Só aí sabemos que o homem começa a se relacionar ao próximo como ser humano.
Michel de Montaigne diz que filosofar é aprender a morrer. Luc Ferry diz que o objetivo final da filosofia é o de vencer o medo da morte. Nada a ver com religião. A religião se contenta em promover a idéia de uma suposta imortalidade da alma, baseada em preceitos que vivos nunca poderemos comprovar. A filosofia busca uma reposta para dar um sentido a vida perante uma morte certa porém desconhecida.
Sócrates enfrenta a morte com estoicismo. Prefere a morte a renegar seus princípios. Diz que o importante não é sua pessoa mas a verdade de sua obra que sobreviverá por ele. Como Sophie Scholl enfrentando a guilhotina nazista. Como Cristo na cruz. Como os samurais que segundo o bushido, seu código de honra, preparam-se dia e noite para a morte, se considerando mortos vivos e por isso sem medo.
Já os drogados e os desajustados que gostam de saltar de precipícios ou sobre carros em chamas com uma moto gostam de olhar a morte na cara porque têm as vidas tão vazias que esta é simplesmente a única maneira de saber que ainda estão vivos.
Há quem passe a vida tentando prolongá-la de qualquer maneira, até o extremo de querer se congelar para ressucitar no futuro. Preocupados com qualquer bactéria ou com o colesterol, com carros blindados, capazes de sacrificar inclusive sua honra se disso depender sua vida. A vida se torna um capital a preservar a qualquer custo. Se tornam como esses mercadores de Osaka tão desprezados pelos samurais.
O fato é que a morte é inevitável. E por mais insuportável que seja a agonia, a dor, ou a perda de um ente querido, saber que somos mortais nos devolve a humildade perdida, e com ela nossa humanidade.
E o melhor jeito de perder o medo da morte é o de aprender a viver, e aprender a viver é aprender a pensar e a ter alegria com a vida. Diz Rousseau que o homem que mais viveu não é o que contou mais anos vividos, mas sim o que sentiu mais a vida.

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