Sunday, June 01, 2008

Country road, take me home


Tenho andado muito na estrada esses últimos tempos. Sinto muito se de vez em quando dou sumiço, mas nestas bandas aqui, o espaço e o tempo parecem mesmo diferentes do que eu estava acostumado na Holanda. Meu carro tem um mês e 5 mil quilômetros.
O bom da estrada é que dirigindo estamos sempre pensando na vida. Não é por menos que nossos motoristas de caminhão são mestres na filosofia de pára-choque.
Há os pessimistas "Feliz era Adão que não tinha sogra e nem caminhão" e os otimistas: "Nasci careca, pelado e sem dente. O que vier é lucro!".
Há os românticos: "Se chover mulher, quero goteira na minha cama", os desconfiados: "Malandro é o pato que tem os dedos grudados pra não usar aliança" e os práticos: "Sexo grátis, amor a combinar".
Há os religiosos: "Deus abençoe as mulheres bonitas, e se tiver tempo, as feias" e os nem tanto: "Jesus salva!... passa para Moisés, que chuta e é goool !".
Os machistas: "Se sua mulher pedir mais liberdade, compre uma corda mais comprida..." e os feministas: "Mulher e circo: debaixo do pano que está o espetáculo".
E também os politizados: "Não faça na vida pública aquilo que você faz na privada".
Eu acredito que a filosofia de pára-choque brasileira seja melhor do que a produzida pelo complexo PUC-USP. A de pára-choque pelo menos alguém lê.
O fato é que também eu na estrada penso sobre todos os caminhos que me trouxeram aqui. E a indagação que fica é universal e irrespondível. Poderia ter sido diferente? Eu poderia ter feito outras escolhas estar hoje em algum outro lugar do planeta? Não seria o livre arbítrio uma ilusão já que todos os nossos atos são consequências de toda uma sequência de outros acontecimentos anteriores?
Bem, já que não há resposta não adianta perguntar. Só seguir a estrada.
E o melhor da estrada é que ela leva a gente para casa.
Sentimento que expressava singelamente este outro caminhoneiro em seu pára-choque: "Saudades da família, principalmente da cabeludinha do meio".

4 comments:

Lelec said...

Adoro frases de caminhão. São hilárias.

Também gosto de pensar na vida em um estrada comprida, com as mãos no volante. É como aquele filme do Bergman, "Os morangos silvestres".

Há um poema de Pessoa sobre o tema:

"Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,

Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,

Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco

Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,

Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,

Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,

Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?

(...)

Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,

Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,

Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,

Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim..."

Alma said...

Beleza de poema Lelec.
Obrigado
Fernando

Anonymous said...

Adorei seu texto! Adorei!!!
Sabe que as maiores idéias da minha vida, eu as tive dirigindo ou tomando banho!É impressionante, como meu raciocinio funciona bem na estrada ou na banheira.

Anonymous said...

Na estrada vc encontra os pensamentos. Os pensamentos encontram as palavras que fazem suas ideias irem tao longe e alcancarem a todos que apreciam seus textos. Elas vao bem longe e atingem o coracao. Tudo isso ainda te levara para outras estradas. Onde mais vc estaria agora? Filosofia de caminhao! Amei!