Houve um tempo em que o Mato Grosso era terra para poucos e bravos
Hoje Bonito e as cidades ao redor foram loteadas por agências de ecoturismo que trazem bicho-grilos e playboys das grandes cidades para cá. Paga-se para nadar no rio, paga-se para ver uma gruta, paga-se para tudo.
Fui ver o Buraco das Araras, um buracão no chão onde araras fazem ninhos. (Google Earth 21°29'30.22"S, 56°24'10.97"O). São 25 reaus por pessoa diz a mocinha na entrada. Estávamos em quatro, 100 pilas para ver um buraco no chão. Legal para algum europeu que nunca viu uma arara antes. Ou um buraco.
Sim, sim, traz empregos e desenvolvimento à região, mas convenhamos, porque existe esse senso geral, seja em Paris ou no Mato Grosso, que turista tem um outdoor escrito trouxa na testa com letras luminosas?
Desistimos e voltamos à cidade de Jardim. Na entrada da cidade uma placa modesta indicava Monumento dos Heróis.
- Vamos lá ver, eu disse.
Depois as indicações sumiram. Seguimos por uma estrada de terra, entramos em uma pedreira, voltamos e perguntamos o caminho a um velho que vinha em sua bicicleta no meio da poeira.
- É ali na frente, estou vindo de lá agora.
- O Sr. vai lá todo dia?
- Todo dia eu vou lá e rezo um Pai Nosso.
Um quilômetro adiante havia um muro branco à beira da estrada e um portão aberto.
Abri uma cerveja, entramos e andamos mais uns duzentos metros até chegar a um cemitério simples, de cruzes brancas de madeira fincadas no chão. Um ou outro túmulo de tijolo. Um mastro e uma placa colocados pelo exército serviam de monumento.
Hoje Bonito e as cidades ao redor foram loteadas por agências de ecoturismo que trazem bicho-grilos e playboys das grandes cidades para cá. Paga-se para nadar no rio, paga-se para ver uma gruta, paga-se para tudo.
Fui ver o Buraco das Araras, um buracão no chão onde araras fazem ninhos. (Google Earth 21°29'30.22"S, 56°24'10.97"O). São 25 reaus por pessoa diz a mocinha na entrada. Estávamos em quatro, 100 pilas para ver um buraco no chão. Legal para algum europeu que nunca viu uma arara antes. Ou um buraco.
Sim, sim, traz empregos e desenvolvimento à região, mas convenhamos, porque existe esse senso geral, seja em Paris ou no Mato Grosso, que turista tem um outdoor escrito trouxa na testa com letras luminosas?
Desistimos e voltamos à cidade de Jardim. Na entrada da cidade uma placa modesta indicava Monumento dos Heróis.
- Vamos lá ver, eu disse.
Depois as indicações sumiram. Seguimos por uma estrada de terra, entramos em uma pedreira, voltamos e perguntamos o caminho a um velho que vinha em sua bicicleta no meio da poeira.
- É ali na frente, estou vindo de lá agora.
- O Sr. vai lá todo dia?
- Todo dia eu vou lá e rezo um Pai Nosso.
Um quilômetro adiante havia um muro branco à beira da estrada e um portão aberto.
Abri uma cerveja, entramos e andamos mais uns duzentos metros até chegar a um cemitério simples, de cruzes brancas de madeira fincadas no chão. Um ou outro túmulo de tijolo. Um mastro e uma placa colocados pelo exército serviam de monumento.
Bem mais modesto do que os monumentos de guerra que vi na Normandia, em Waterloo, no Valle de los Caídos. A grama mal aparada, algumas cruzes arrancadas, uma pichação na placa.
Ali, à beira do Rio Miranda estavam enterrados soldados e oficiais que tinham feito a Retirada da Laguna.
Ali estava a lápide de mármore do Coronel Camisão, que liderou a coluna brasileira até terras paraguaias, conquistando Bela Vista e prosseguindo até a fazenda Laguna do próprio Marechal Solano López.
Forçados a retirarem-se pela falta de munições e víveres, foram atacados pela fome, pelo fogo, pela cavalaria paraguaia e pelo cólera durante todo o caminho de volta. Ali pereceram.
Não havia ninguém ali. O lugar não está nos mapas de turismo. Não se pagava para entrar, mas se me cobrassem ali os 25 reais para preservar o sítio eu daria de bom grado. É bom resgatar um pouco da memória em um país que não tem quase nenhuma.
Naquela noite eu encontraria um fazendeiro em cuja propriedade passava o Cambarecê, o riacho do Negro que Chora, onde 130 coléricos haviam sido abandonados para que o resto da coluna se salvasse. Não é raro que encontrem por ali enterrados restos de baionetas, facas e fivelas dos soldados
Pensei no encontro surreal com o velho da bicicleta. E pensei que eu queria estar ali cento e vinte anos atrás, nadando de graça nos rios cristalinos e tomando a terra a paraguaios, bugres e onças a golpes de punhal.
Hoje sou só um turista playboy de latinha na mão.
Ali, à beira do Rio Miranda estavam enterrados soldados e oficiais que tinham feito a Retirada da Laguna.
Ali estava a lápide de mármore do Coronel Camisão, que liderou a coluna brasileira até terras paraguaias, conquistando Bela Vista e prosseguindo até a fazenda Laguna do próprio Marechal Solano López.
Forçados a retirarem-se pela falta de munições e víveres, foram atacados pela fome, pelo fogo, pela cavalaria paraguaia e pelo cólera durante todo o caminho de volta. Ali pereceram.
Não havia ninguém ali. O lugar não está nos mapas de turismo. Não se pagava para entrar, mas se me cobrassem ali os 25 reais para preservar o sítio eu daria de bom grado. É bom resgatar um pouco da memória em um país que não tem quase nenhuma.
Naquela noite eu encontraria um fazendeiro em cuja propriedade passava o Cambarecê, o riacho do Negro que Chora, onde 130 coléricos haviam sido abandonados para que o resto da coluna se salvasse. Não é raro que encontrem por ali enterrados restos de baionetas, facas e fivelas dos soldados
Pensei no encontro surreal com o velho da bicicleta. E pensei que eu queria estar ali cento e vinte anos atrás, nadando de graça nos rios cristalinos e tomando a terra a paraguaios, bugres e onças a golpes de punhal.
Hoje sou só um turista playboy de latinha na mão.