Thursday, August 06, 2009

Fair enough


Existe uma mudança de comportamento fundamental do consumidor europeu, estudada pelo Prof. Jean Yves Carfantan da AgroBrasConsult. Essa mudança começa a se refletir na forma como as grandes redes varejistas adquirem seus produtos e na forma como a União Européia audita seus fornecedores externos.
Se antes o consumidor queria um produto que lhe proporcionasse saúde/beleza e segurança alimentar, hoje esses parâmetros não são por si só suficientes. Além disso, o consumidor quer ter a consciência tranqüila. Quer saber que o que compra não foi produzido às custas de devastações ambientais, sofrimento de animais ou trabalho escravo ou infantil. A empresa que consegue garantir isso ao consumidor está a uma imensa distância da concorrência.
A política dos varejistas europeus, e dos americanos logo no encalço, certamente ultrapassará fronteiras, já que as grandes redes são hoje multinacionais presentes em todo o planeta. O que hoje é incentivado em termos de sustentabilidade e bem estar animal, amanhã será exigido.
Provavelmente, nos rótulos do futuro terão que aparecer menções de quanto carbono foi emitido na produção daquele determinado produto, ou quanta água foi gasta, quantos km ele percorreu até a prateleira, acompanhadas de certificações relativas à idoneidade do processo produtivo.
Ok, como parte da cadeia produtora de alimentos acho que podemos aceitar isso. É como dizem "fair enough". Eu também não me sentiria bem sabendo que alguma roupa minha foi costurada por uma criança chinesa que trabalha 15 horas por dia.
Mas há o outro lado da moeda, raramente discutido quando se fala em sustentabilidade. Todo mundo se preocupa com a forma como algo é produzido, mas pouca gente quer saber o que acontece depois que ele é consumido.
Para onde está indo o lixo produzido nos países desenvolvidos? Onde estão indo os pneus, os plásticos, os resíduos químicos, o lixo radioativo de suas usinas nucleares? Há dias atrás recebemos 1,4 mil toneladas de lixo inglês, mandados em containers para cá como se fosse mercadoria normal. Em seu livro Gomorra, Roberto Saviano conta como as regiões mais pobres da Itália estão sendo inundadas de lixo industrial tóxico produzidos no norte da Europa. A Máfia intermédia as negociações, burla a legislação e enterra o lixo em cada gruta, vale e buraco da Campânia e da Calábria. A Alemanha manda os dejetos de seus milhões de porcos para serem espalhados nos campos poloneses. Que sustentabilidade é essa? Da mesma forma, as redes varejistas que exigem sustentabilidade na produção de carne pretendem fazer algo a respeito das milhões de sacolinhas plásticas distribuídas todos os dias a seus clientes?
Obviamente tanto países industrializados como os em desenvolvimento têm que se preocupar tanto com a forma como matéria prima é produzida quanto com a forma como resíduos industriais e lixo são tratados. Também é obvio que países desenvolvidos tenham menos problemas com o primeiro (até porque eles já devastaram tudo o que tinham a devastar) e mais problemas com o segundo.
O novo paradigma criou uma enorme pressão comercial que é jogada em cima dos exportadores de alimentos e matéria prima para que produzam de forma sustentável.
Para quem compra é fácil exigir controle e transparência do fornecedor. Que tal quem vende exigir controle e transparência do cliente? It's only fair enough.

1 comment:

Everardo Ferreira said...

Parabéns, Rodrigo. Poucas vezes a nossa imprensa faz uma desccrição tão precisa, como essa que você postou, do que representa a expressão "politicamente correto". As ações politicamente corretas são exatamente essas (entre outras, mas essa é a mais eficaz no ambiente capitalsta). O Estado (no caso um "quase" Estado transnacional,se assim podemos dizer, a UE) induz, através de regulamentação e normas técnicas, o mercado a se adequar às necessidades de um desenvolvimento sustentável. Você foi extremamente feliz. Mas lembre-se que um poderoso aliado nessa tarefa tem sido as organizações emanadas do próprio consumidor, associações, ONGs, etc..Muito bom.