Thursday, July 10, 2008

Forever young


João Pereira Coutinho é um dos melhores articulistas que conheço. Há um tema que de tempos em tempos volta à sua coluna, mas ao qual provavelmente poucos dão atenção.
Trata-se dessa perigosa fantasia pós moderna que acha que a humanidade deve ser uma raça perfeitamente feliz e saudável, livre de vícios, gordurinhas e doenças, vivendo uma juventude eterna e feliz.
Primeiro foram os fumantes, condenados a párias da humanidade. Fumantes foram escorraçados de lugares públicos, agora são escorraçados de estabelecimentos privados, no futuro terão que sair das ruas e em breve virá a proibição total. Paradoxo total, hoje em Amsterdam, pátria do politicamente correto pode-se fumar maconha ou cheirar pó, mas nenhum restaurante pode permitir que se fume. Cerveja, uísque? Não, isotônicos.
Depois vieram os gordos. Na última São Paulo Fashion Week, uma bicha chamou a Anna Kurkova de obesa. Só pode ser bicha. Os gordos também estão condenados. Já são olhados com aquele desdém, aquela pena, já viraram uma categoria inferior de sub-cidadãos. O governo brasileiro quer limitar propagandas de carboidratos na TV. Quem sabe num futuro próximo os biscoitos serão vendidos sob prescrição médica. Açúcar, que era doce virou veneno. Um pãozinho com manteiga é cianureto puro. Tudo tem que ser diet e light. Aquele pernil assado da sua avó, nem pensar. A academia de ginástica virou o templo da modernidade. Os que não aderirem serão excomungados.
Ainda há os deprimidos. Qualquer tristeza hoje virou depressão, um mal a ser evitado a todo custo, nem que seja com caixas e caixas de Prozac. Ninguém pode ficar triste. Como disse Coutinho, há um dogma fantasioso se disseminando na sociedade de que só vidas felizes valem a pena ser vividas. Billie Holiday e Marcel Proust se nascesse hoje nunca teriam feito nada em suas vidas.
Agora a medicina luta pela juventude eterna. A ilusão dessa promessa faz com que as pessoas se comportem como adolescentes até pelo menos os 40 anos, e todo mundo quer viver muito mas ninguém quer ficar velho. A velhice virou uma outra doença.
Também queremos esterilizar o mundo. O Dr. Bactéria do Fantástico ensina que uma tábua de madeira para se cortar carne tem trilhões de bactérias, e mesmo sabendo que sua mãe sempre as usou e tá aí firme e forte, você deve se desfazer dessas nojeiras imediatamente. O serviço de proteção ao consumidor da União Européia está fiscalizando cada mísero restaurante e cada queijo feito em casa em busca de bactérias. João Pereira Coutinho imagina o dia em que descerá de gabardine, óculos escuros e galochas em alguma catacumba para saborear os pratos que sua avó fazia na maior das inocências.
Algum incauto pode achar que isso tudo representa o melhor para a população.
Eu acho que cada um sabe o que é melhor para si. Essa "modernidade" não passa de uma fantasia nazi-fascista.
A mídia cria uma imagem de super-homem à qual todos devemos nos comparar, o governo interfere em nossas decisões individuais, a patrulha dos babacas de plantão vigia.
Estamos criando uma multidão de cretinos infantilizados.

6 comments:

Lelec said...

Também gosto muito do João Pereira Coutinho, Fernando. Achei deliciosa a coluna que ele conta os artifícios de agente da KGB que ele terá que adotar para provar as guloseimas da sua avó. Farei o mesmo para saborear a opulenta cozinha mineira.

Também acho que "cada um sabe o que é melhor para si". Mas a questão do cigarro é totalmente diferente da obesidade, por exemplo. Fumantes têm que fumar mesmo só em espaços abertos, porque em espaço fechado eles expõem outros ao câncer. Um obeso ao lado de um magro não causa câncer no magro, ao contrário do fumante ao lado do não fumante. A liberdade de um não pode ser nociva ao outro (daí a necessidade de se controlar o álcool no volante).

Contudo, se algum dia inventarem de proibir totalmente o cigarro, mesmo em espaços abertos, aí eu estarei ao lado dos tabagistas. Porque, nesse caso, o exercício da liberdade deles não prejudica ninguém.

Você também acertou ao dizer que, hoje em dia, qualquer tristeza é depressão. Nós, médicos, falhamos muito em prescrever liberalmente anti-depressivos e ansiolíticos. Mas, atenção: isso não deve ocultar o valor desses medicamentos em casos de doenças psiquiátricas (como a depressão), quando clinicamente bem caracterizadas. Hoje em dia se glamouriza muito os transtornos neuropsiquiátricos de artistas, como se eles fossem a fonte de sua atividade criativa. Não são. São fonte de sofrimento. Ninguém consegue criar sofrendo uma depressão grave. Há muitos estudos científicos sobre o assunto. Van Gogh não pintava nada (assim como Schumann e Rachmaninoff não compunham) nos momentos de tristeza profunda. Se fosse hoje, eles poderiam se beneficiar de tratamentos que lhes possibilitaria uma produção artística ainda mais rica. Billie Holliday, morta prematuramente por causa dos excessos, cantava bem pior na fase depressiva. Ela também poderia ter se beneficiado de um tratamento(e talvez tivesse vivido mais).

No mais, seu texto está ótimo. Concordei, especialmente, com a sua observação sobre a preferência sexual do camarada que disse que a deliciosa Anna Kurkova é gorda.

Abraço,

Lelec

PS: Desculpe-me falar tanto sobre o impacto de fatores neuro-psiquiátricos na produção artística, mas gosto muito do assunto, que estudei no meu master(o "mestrado" francês).

clabrazil said...

Ai, que ótimo esse tópico!

Quer ver umas ótimas que ouvi de colegas dia desses?
Nao se pode chamar ninguém de "handicap", mas sim de "vertically challenged"!

Que bom ouvir que já há quem se levante contra essas asneiras todas. Por sinal, em termos culinários, que coisa é essa de molecular kitchen? Quero mais minha feijoada.

Beijos,
Cla

Marie Tourvel said...

Embora adore uma gordurinha trans, vivo comendo alface e rúcula, pois na tentativa de ser uma bulímica, não consegui. Aquele chocolate insistia em ficar em meu estômago. JP Coutinho é um dos melhores, mesmo. E seu post, Fernando, está perfeito. Abaixo os politicamente corretos! Um grande beijo.

Frodo Balseiro said...

Pô Fernando, "derrubou" meu post sobre o assunto!
Há tempos essa fixação pela saúde, bem estar e felicidade vem me incomodando.
Cá no Bananão não se resolvem os problemas da fome, da segurança, da saúde e da educação, mas nossos "códigos de conduta" são todos eles suiços!
Com execução africana, digamos!
Os entes puros e saudáveis que execram a liberdade de não ser nem puro nem saudável, já lançaram a proxima batalha a que se dedicarão em 2009!
Começará a guerra aos doces e à gordura! E é sério, não é piada não!
Abs
frodo

bete p.silva said...

E sabe o que mais? o lanche feito em bares em padarias, as famosas chapas, lanches que a gente não consegue jamais fazer igual na casa da gente, por certo tem o tempero das "coisas" que ficam ou que "passam" por alí, mas vamos combinar, lanche de padaria é bom demais. Teu texto lava a alma da gente, ou melhor, "suja" a alma da gente, com todas aquelas porcarias que a gente tanto gosta.

Lelec said...

Ôpa, mon ami! Tá tudo bem aí?

Você sumiu! Espero que um jacaré não tenha lhe papado em uma de suas pescarias no Pantanal!

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Abraço,

Lelec