Uma vez assisti um documentário sobre um escultor de móveis japonês. Ele esculpia seus móveis, sem usar pregos nem cola, em toras inteiras de madeira. Ele dizia que só era justificável derrubar uma árvore para se fazer um móvel se o móvel durasse tanto tempo quanto a árvore duraria.
Claro, seu trabalho estava para os móveis assim como Manolo Blahnik está para os sapatos, inclusive no preço. Mas esse tipo de respeito, tanto pelo consumidor como pela matéria prima é algo que sobrevive em nichos de artesanato ou no mercado de super luxo.
É óbvio que para milhões de brasileiros, indianos, chineses e russos saem da pobreza e entram no mundo do consumo, melhor ter um móvel das casas Bahia, uma Honda Biz ou um Tata Nano do que não ter móvel nenhum e ainda andar de busão, bicicleta e tuc-tuc.
Dois setores, na minha opinião, são os que mais cruelmente se transformaram com o consumo de massa. Um é o da alimentação, dominado pelas grandes redes de supermercado. O outro é o da construção civil.
Todo chef, e toda pessoa que gosta de cozinhar sabe a importância e o sabor de um ingrediente produzido com o devido respeito. Quem já provou um queijo roquefort, um jamón pata negra, um vinho de bordeaux, ou até mesmo um capão caipira sabe disso. Agora olhe o lixo que se vende nos supermercados, e que comemos todos os dias.
Na construção, o problema é outro. A arquitetura de massa nos coloca para viver em verdadeiros pombais. Quando as cités parisienses explodiram em violência no fim de 2005, divulgaram um vídeo em que François Mitterrand já argumentava nada de bom viria de pessoas vivendo isoladas em prédios feios, em bairros feios. Quando vejo esses apartamentos de classe média ligeira nas periferias penso nos jovens que vão sair dali.
De fato, se não há respeito pelo que se come e por onde moramos, não respeitamos nossa própria existência.
A economia hoje se move em torno de crédito e de consumo de massa. O marketing nos vende a idéia de que precisamos consumir para ser felizes. A indústria se propõe a produzir mais barato para que as pessoas consumam mais. Para produzir mais barato os salários são achatados. Recebendo menos, os trabalhadores procuram gastar menos, morando mal, comendo mal, consumindo produtos mais baratos ou entrando no crédito para poder comprar mais. Um dia a casa cai. Especialmente porque este planeta Terra não vai aguentar Brasil, Índia e China consumindo como americanos. A gente se mata antes disso.
A modernidade, como nos prometiam os Jetsons e aqueles comerciais dos anos 50, deveria ter nos trazido mais liberdade. Ao contrário disso, nos tornamos escravos do relógio, do salário e dos comerciais da tv. Morando no pombal, dentro de engarrafamentos homéricos causados por excesso de carros baratos na rua, comendo junk food.
Eu ando na contra mão. Como dizia aquela frase de pára-choque de caminhão: cada vez mais eu quero menos. Sem ambição? Nada disso, minha ambição é bem maior do que a dos outros.
Claro que sou capitalista, e acho que as pessoas são livres para comprarem o que quiserem.
Mas, eu, euzinho, sonho com o dia em que perceberemos todos que podemos consumir menos e melhor. Que toda a energia gasta em produzir lixo made in china por semi-escravos tiranizados será usada para produzir algo mais útil e com mais respeito. E como João Pereira Coutinho sugeriu, perceberemos todos que 100 objetos essenciais nos bastam para viver. E que a felicidade não está naquele comercial da televisão. E que poderemos preparar um almoço de três horas com algo que não venha congelado e embalado em plástico colorido.
5 comments:
Desde que dentre estes 100 itens esteja meu creme Loccitane para hidratar a pele, tudo certinho. :))))
Belo post, Fernando, querido.
Um grande beijo.
Bravos, Luciano.
Bom demais, bom mesmo.Também sonho com essa diminuição de consumismo, e tenho feito a minha parte, procurando viver de forma minimalista. O que tenho dá para viver, não preciso de mais roupas, mais sapatos (só tenho dois pés), não preciso de jóias ou enfeites, tenho levado a vida assim já ha uns vinte anos, e tenho conseguido.
Também concordo com esse lixo que se vende nos supermercados, não consigo deixar de ver isso - lixo, é o que se vende. E o curioso disso,é que as pessoas já perderam até o paladar. Noto quando almoço com pessoas no trabalho, que eles acham uma delícia aquela comida de self service temperada com alho e sal. Eu acho comida com gosto de sapo. Em casa procuramos caprichar mais no detalhe do tempero, é o que dá pra fazer.
Ótimo texto, cher Fernando!
A emergência do BRIC pode mesmo desestabilizar o frágil equilíbrio planetário. Como você, sigo na contramão, crendo que a felicidade está longe desse consumismo e muito perto das coisas simples que a vida proporciona.
Abraço,
Lelec
Fernando, não fosse a produção industrial massiva de alimentos, e hoje ainda estaríamos vendo aquelas fotos louvadas de Sebastião Salgado, com crianças miseráveis, barrigudinhas e ainda assim esqueléticas, nariz escorrendo, uma mosca varejeira pousada ao lado da boca.
O frango de granja produzido em série, sem lá muito gosto é verdade, mas que permitem que a coxinha tenha se "democratizado", alimentando as massas, que de madrugada passam nas padarias da vida para forrar o estômago antes de seguir para o trabalho.
Abençoada transgenia!
Por enquanto ainda podemos degustar "Patas Negras, Belugas, Château Laffites" artesanais e orgânicos! Logo estaremos comprando alimentos e guloseimas em farmácias, travestidos de pílulas coloridas.
Fazer o que? É da vida, pode-se gostar ou não da evolução do mundo, mas é para onde ele caminha!
Abs
frodo
Alma,
Sobre esse tema, dê uma olhada neste vídeo:
http://www.storyofstuff.com/
ou traduzido pra português:
http://videolog.uol.com.br/video.php?id_video=353307
Talvez vc ache o ponto de vista muito radical, mas a idéa é a mesma.
abcs,
Do seu Servidor Público preferido...rs...
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