Monday, November 17, 2008

Sertanejos


Eu faço orgulhosamente parte de um setor de negócios que nas últimas duas décadas salvou a balança comercial brasileira, reverteu o êxodo rural e trouxe desenvolvimento e progresso para as fronteiras agrícolas do país.
Se antes o campo representava atraso, hoje é a força motora da economia nacional. Não é por menos que na semana passada a Bovespa andava por aqui ensinando aos fazendeiros como investir em ações e a usar o mercado futuro de commodities.
O agronegócio não representou uma transformação puramente econômica no interior do país, mas toda uma mudança cultural perfeitamente visível na música sertaneja.
Tristeza do Jeca de Angelino de Oliveira por exemplo é a música daquele caipira clássico de Monteiro Lobato, triste e morando na palhoça:

Eu nasci naquela serra
Num ranchinho beira chão
Todo cheio de buraco
Onde a lua faz clarão

E continua:

Lá no mato tudo é triste
Veja o jeito de falar
Pois o Jeca quando canta
Dá vontade de chorar

Com o progresso chegando, as músicas falam do boiadeiro triste que vê seu mundo desaparecer, como Triste Berrante cantada por Pena Branca e Xavantinho:

Mas sempre foi assim e sempre será
O novo vem e o velho tem que parar
O progresso cobriu a poeira da estrada
Esse tudo que é o meu nada
Eu hoje tenho que acatar e chorar
E mesmo tendo gente e carro passando
Meus olhos estão enxergando uma boiada passar

O sertão é um lugar idílico, que por força maior teve que ser abandonado. O caipira que troca o campo pela cidade se arrepende e morre de saudades do sertão. Está em Luar do Sertão de João Pernambuco:

Ó, que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Esse luar lá na cidade tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão

E em Saudades da Minha Terra, de Goiá e Belmonte:

Por nossa senhora,
Meu sertão querido
Vivo arrependido por ter deixado
Esta nova vida aqui na cidade
De tanta saudade, eu tenho chorado

Os amores, sempre impossíveis apareciam naquelas canções dor de cotovelo como Fio de Cabelo, de Marciano e Darci Rossi, imortalizada por Chitãozinho e Xororó:

E hoje o que encontrei me deixou mais triste
Um pedacinho dela que existe
Um fio de cabelo no meu paletó
Lembrei de tudo entre nós
Do amor vivido
Aquele fio de cabelo comprido
Já esteve grudado em nosso suor

Com a mudança de paradigma no campo, o sertão virou um lugar aprazível para se viver, longe dos tormentos e da violência da cidade. Já não tem tristeza nenhuma, só alegria, como conta a música Vida Boa de Victor e Leo:

Que vida boa
Que vida boa
Sapo caiu na lagoa,
sou eu no caminho do meu sertão
Pego o meu burrão
Faço na estrada a poeira levantar
Qualquer tristeza que for não vai passar do mata-burro
Galopando vou
Depois da curva tem alguém
Que chamo sempre de meu bem, a me esperar

Agora a caipirada só anda de caminhonete e a mulherada sobra. E ao contrário de músicas como Bandeira do Divino ou Calix Bento, agora o caipira largou a vida de igreja e quer mais é se divertir, como esse da música Por Favor Reza pra Nóis de Leonardo:

A gente não vai na missa
Por que a missa demora
Mas se vamos no boteco
Nós esquecemos da hora
No amor nós tá perdido
Nossa vida tá na fossa
Estamos sempre com mulher
Mais nunca é a nossa

Em Nóis enverga mais não quebra, Gino e Geno mostram que o caipira que pro pessoal da cidade tinha cara de bobo, de bobo não tem nada:

Nóis enverga mais não quebra, nóis chacoalha e não derrama
Nóis balança mais não cai, nóis é brabo e bom de cama
De bobo nóis não tem nada, só a cara de coitado
Nóis se finge de leitão, pra poder mamar deitado

Osso duro de roer, somos nóis aqui do mato
Tomando cachaça pura, comendo ovo de pato
Capinando a nossa roça, contando boi na envernada
Nóis não tem dor de cabeça, não se encomoda com nada

De noite a nóis vai pra festa e arrepia no bailão
Mulher bonita e gostosa, nóis ganha de montão
Onde tem moda de viola e catira nóis ta no meio
Nóis não liga pra dinheiro, nóis já ta com saco cheio

O caipira hoje é um sujeito endinheirado, com uma vida muito melhor do que o povo de Sum Paulo e que sabe aproveitar o que tem. Isso foi possível com a riqueza gerada pelo agronegócio e pela transformação cultural que misturou os valores tradicionais do sertão com a riqueza da agricultura e o mundo das festas de peão, dos rodeios e dos bailes. E pinga ni mim.
Honra seja feita, o primeiro a perceber essa transformação e a influenciá-la diretamente foi o saudoso Zé do Prato, um dos primeiros locutores de rodeio e o inventor da expressão "Seguuuura peão!", morto em Piracicaba em 1992. E segundo suas proféticas palavras:

Me chamaram de caipira e como caipira vou responder
Sou caipira sou da roça e tenho orgulho de ser
Caipira tem invernada e boi gordo pra comer
Tem vinho e uísque importado pra beber
Tem mangalarga pra trotar e quarto-de-milha pra correr
Tem loira de manhãzinha e morena no anoitecer
Se essa vida é ser caipira, eu sô caipira até morrer

4 comments:

Augusto Araújo said...

E pros vermelhos os produtores rurais são latifundiários improdutivos

Pros verdes são destruidores da natureza.

Pros urbanos são ricos fazendeiros que podem rasgar dinheiro,

É de encher o saco.

Marie Tourvel said...

Fernando, querido, andei sumida, também. Me envie um e-mail, pois tenho uma novidade pra você, está bem?
marietourvel@gmail.com

Beijo!

bete p.silva said...

Belíssimo post, parabéns. E parabéns a vocês também, sertanejos, que estão quilômetros à nossa frente (nós os reais caipiras)

Lelec said...

Olá Fernando,

O Brasil tem mesmo uma vocação agro-exportadora e temos que aproveitar isso.

O mais bonito é ver os desdobramentos sócio-econômicos dessa atividade, como você mostrou muito bem, na reconquista de uma certa "auto-estima" da gente do interior, coisa que não se via há décadas. O caminho para a melhoria de muitos dos dramas nacionais passa, sem dúvida alguma, pelo interior, e não pelo caos das metrópoles.

Parabéns por fazer parte desse Brasil promissor e de vanguarda!

Abraço,

Lelec