Acima do pórtico de entrada da Capela dos Ossos, dentro da Igreja de São Francisco, em Évora, Portugal, uma frase diz "nos ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos". As paredes são feitas de caveiras, tíbias e fêmures empilhados. Um lugar construído para se meditar sobre a morte, segundo os padres portugueses.
Pense nos mortos. Quantos homo sapiens já morreram neste planeta antes de você? Nas cavernas, em guerras antigas, nas fogueiras da intolerância, pelas armas de ditadores, nas garras da fome, da doença, ou serenamente deitados em seu leito derradeiro?
Não pensamos nos mortos. Nossa sociedade quer vida eterna. Pior, quer juventude eterna. A velhice virou uma doença a ser evitada a todo custo, à base de cirurgias plásticas, remédios, malhação e dietas milagrosas light, diet, low carb, omega3, high fiber, antioxidantes. Fora o comportamento de eternos adolescentes. E na morte então, ninguém pensa ou quer pensar. Mesmo podendo ela aparecer atrás de cada esquina. Mors certa, hora incerta.
Invejo essas culturas orientais, que tem sempre um altarzinho pela casa com velas em homenagem aos ancestrais. Ou os mexicanos que no dia de finados andam em festas pelos cemitérios. E, seria em Madagascar? que levam o esqueleto da avó de volta para casa para uma visita, para ser limpo e pintado de branco e devolvido ao caixão no dia seguinte. Invejo médiuns que se comunicam com o além (no creo, pero que los hay...).
Triste é o homem que não tem mortos em quem pensar.
Pensar na morte, nos mortos, nos devolve a humildade. Nos traz o que João Pereira Coutinho chama de relativismo suave: "mesmo quando o demónio se intromete na pacatez dos meus dias, existe um lado de mim que ri dele. Como se o espírito deixasse o corpo e, planando sobre a carcaça, contemplasse o absurdo da minha condição. O absurdo da condição humana. E uma voz invisível segreda-me ao ouvido: será que vale a pena, companheiro? Será que vale a pena tudo isso quando tu estarás morto no futuro médio?"
2 comments:
Luciano, você escreveu o que eu gostaria de ter escrito. Admiro pacas os costumes dos mexicanos, mas quando comentei com uma amiga ela disse: cruuuuuuzes, que horror. Não entendo esse viver como se a morte não existisse. Concordo: pensar na morte é humildade. Uma vez eu estava andando num local de São Paulo, com a cabeça cheia de problemas. De repente eu me vi na frente do Instituto Médico Legal, melhor, acho que era nos fundos, no lugar onde saem as carcaças. Havia um cheiro de carniça no ar. Aquele cheiro me lembrou minha realidade, minha condição humana. Uma vez também, andando pela rua mais movimentada do centro, me bateu isso: quanta gente já passou por aqui com a cabeça cheia de preocupações e hoje...já está completamente esquecida...Se a gente não tem sobrenome famoso, é certo que seremos esquecidos em um ano no máximo, talvez menos.
Pensar, pensar, pensar... Sobre a morte, sobre os mortos, sobre nossos mortos. Ando pensando muito nisso, Fernando. Foi transmissão de pensamento.
Um beijo
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