Sunday, April 09, 2006

Rallumer les étoiles


Li uma entrevista de Umberto Eco na L’Espresso, sobre seu novo livro intitulado “A passo di Gambero”.
Eco afirma em sua entrevista que ao longo da história, a humanidade sempre teve momentos intercalados de evolução e de retrocesso, reforma e contra-reforma.
Ao que parece, estamos vivendo agora um desses momentos em que caminhamos para trás.
Da euforia do final da guerra fria passamos às guerras quentes do Iraque e Afeganistão e ao terrorismo.
Também voltamos às cruzadas de cristãos do Ocidente contra os muçulmanos do Oriente.
Da Declaração dos Direitos Humanos após o fim da Segunda Guerra Mundial há hoje quem defenda a tortura como mecanismo legal para interrogar suspeitos, o que aliás já está acontecendo nas prisões secretas da CIA, e pelas mãos de quem se comprometia a defender a liberdade.
O anti-semitismo está de volta, com judeus sendo mortos e seus cemitérios e sinagogas sendo profanados na França, e com chefes de estado no Oriente Médio brandindo os Protocolos dos Sábios de Sião e declarando desejar riscar Israel do mapa.
Jogadores e torcidas de futebol fazem saudações nazi-fascistas em toda a Europa, da Lazio ao Paris Saint Germain.
Grandes migrações de “bárbaros”voltaram a acontecer, com direito a imagens diárias de desgraçados afogados em praias espanholas ou asfixiados em algum caminhão nas fronteiras do leste.
Há que defenda o ensino do creacionismo na escola básica, inclusive no Brasil. A Igreja voltou a ser próxima do Estado e a influenciar as decisões de presidentes como George W. Bush.
Depois da revolução sexual dos anos 60 há movimentos pregando a castidade, contra os homossexuais e contra o aborto. Abro aqui um parêntese para falar do direito das mulheres ao aborto. Os homens e a sociedade retrógrada sempre encararam o aborto como um problema de mulheres que usaram o corpo levianamente. É claro que para eles este é um privilégio exclusivamente masculino. Como diz Umberto Eco, assume-se que todas as mulheres são putanas, exceto é claro nossas santas mãe e irmãzinha. Em 1971 a Nouvel Observateur publicou um manifesto onde várias personalidades femininas declaravam ter praticado o aborto dizendo “notre ventre nous apartient” causando furor na época, mas abrindo caminho para um pensamento mais aberto. Hoje, 35 anos depois voltamos atrás e queremos que impedir que as mulheres tenham o poder de decidir o que fazer com o próprio corpo. Maternidade é para ser desejada, é um direito e não uma obrigação. Their bodies, their choice.
Enfim, uma nova época de trevas nos ameaça. Nossa única arma é o conhecimento, o conjunto de tudo que aprendemos com a nossa própria História.
Renunciar ao que sabemos e às liberdades que conquistamos depois de séculos de luta por puro medo de mudança é nos rendermos à ignorância e ao fanatismo.
E hoje em dia, com a tecnologia de que dispomos, podemos fazer chegar esse conhecimento à todos os que precisam com uma velocidade que Gutemberg nunca imaginaria.
Precisamos de uma nova Renascença, um Iluminismo digital, capaz de abrir as mentes dos que querem nos levar para o passado.
Nas palavras de Guillaume Apollinaire: “Il est grands temps de rallumer les étoiles’’.

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