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Li uma entrevista de Umberto Eco na L’Espresso, sobre seu novo livro intitulado “A passo di Gambero”.
Eco afirma em sua entrevista que ao longo da história, a humanidade sempre teve momentos intercalados de evolução e de retrocesso, reforma e contra-reforma.
Ao que parece, estamos vivendo agora um desses momentos em que caminhamos para trás.
Da euforia do final da guerra fria passamos às guerras quentes do Iraque e Afeganistão e ao terrorismo.
Também voltamos às cruzadas de cristãos do Ocidente contra os muçulmanos do Oriente.
Da Declaração dos Direitos Humanos após o fim da Segunda Guerra Mundial há hoje quem defenda a tortura como mecanismo legal para interrogar suspeitos, o que aliás já está acontecendo nas prisões secretas da CIA, e pelas mãos de quem se comprometia a defender a liberdade.
O anti-semitismo está de volta, com judeus sendo mortos e seus cemitérios e sinagogas sendo profanados na França, e com chefes de estado no Oriente Médio brandindo os Protocolos dos Sábios de Sião e declarando desejar riscar Israel do mapa.
Jogadores e torcidas de futebol fazem saudações nazi-fascistas em toda a Europa, da Lazio ao Paris Saint Germain.
Grandes migrações de “bárbaros”voltaram a acontecer, com direito a imagens diárias de desgraçados afogados em praias espanholas ou asfixiados em algum caminhão nas fronteiras do leste.
Há que defenda o ensino do creacionismo na escola básica, inclusive no Brasil. A Igreja voltou a ser próxima do Estado e a influenciar as decisões de presidentes como George W. Bush.
Depois da revolução sexual dos anos 60 há movimentos pregando a castidade, contra os homossexuais e contra o aborto. Abro aqui um parêntese para falar do direito das mulheres ao aborto. Os homens e a sociedade retrógrada sempre encararam o aborto como um problema de mulheres que usaram o corpo levianamente. É claro que para eles este é um privilégio exclusivamente masculino. Como diz Umberto Eco, assume-se que todas as mulheres são putanas, exceto é claro nossas santas mãe e irmãzinha. Em 1971 a Nouvel Observateur publicou um manifesto onde várias personalidades femininas declaravam ter praticado o aborto dizendo “notre ventre nous apartient” causando furor na época, mas abrindo caminho para um pensamento mais aberto. Hoje, 35 anos depois voltamos atrás e queremos que impedir que as mulheres tenham o poder de decidir o que fazer com o próprio corpo. Maternidade é para ser desejada, é um direito e não uma obrigação. Their bodies, their choice.
Enfim, uma nova época de trevas nos ameaça. Nossa única arma é o conhecimento, o conjunto de tudo que aprendemos com a nossa própria História.
Renunciar ao que sabemos e às liberdades que conquistamos depois de séculos de luta por puro medo de mudança é nos rendermos à ignorância e ao fanatismo.
E hoje em dia, com a tecnologia de que dispomos, podemos fazer chegar esse conhecimento à todos os que precisam com uma velocidade que Gutemberg nunca imaginaria.
Precisamos de uma nova Renascença, um Iluminismo digital, capaz de abrir as mentes dos que querem nos levar para o passado.
Nas palavras de Guillaume Apollinaire: “Il est grands temps de rallumer les étoiles’’.
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