Friday, January 25, 2008

Relendo o Al Corão


É tão raro encontrar pensadores muçulmanos moderados que quando se encontra um é preciso dar-lhe o devido destaque.
A Nouvel Observateur da semana passada trouxe uma entrevista com Abdelwahab Meddeb, professor na universidade de Paris-X-Nanterre. Meddeb é também poeta e escritor, autor de "A Doença do Islam" e que lança agora seu novo ensaio intitulado "Sair da Maldição".
A idéia central é a de quebrar o tabu corânico. Diz o autor que os muçulmanos transformaram o Al Corão em um ídolo ao admitir que o que está escrito ali é a palavra de Deus inalterada e inalterável, quando paradoxalmente a mensagem do Livro é fortemente anti-idolátrica.
Ele propõe um estudo histórico e filológico do Corão e destaca a importância dos multazilitas, estes teólogos racionalistas do século IX que defendiam a tese do Corão "criado", em oposição a um Corão "não criado" ou literal. A tese do Livro criado supõe uma mediação humana entre Deus e o Livro, o que faz com que os escritos tenham que ser situados no contexto da época de sua revelação. O sentido das palavras se torna relativo em vista das circunstâncias históricas.Uma reinterpretação atual do Corão serviria a neutralizar a noção hoje pervertida da jihad. Meddeb diz que estados com o Islam como religião oficial deveriam declarar obsoletos por exemplo versículos como o da Espada (IX, 5) e o da Guerra (IX, 29)para poderem se adaptar aos valores que regem a política internacional de liberdade de culto e de consciência, e a paz entre as nações.Meddeb diz também que a sharia, a lei islâmica, é fruto mais de diferentes interpretações e tradições proféticas do que dos escritos corânicos, algo que é confirmado entre outros por Albert Hourani em A History of Arab People.
Ele defende a idéia de que sempre que houvesse divergências entre a sharia e a a declaração de direitos do Homem, que esta última deveria prevalecer, e que todos os governos Ocidentais deveriam exigir isso com firmeza de países islâmicos.
Finalmente um autocrítica corajosa partindo de um intelectual muçulmano. Insh Allah...

3 comments:

Lelec said...

Não é apenas a religião muçulmana que se beneficiaria de um movimento de renovação atualizante como a proposta por Meddeb.
Os cristãos (especialmente protestantes) também precisam "reciclar" dogmas à luz dos tempos modernos. Do contrário, continuarão a defender besteiras como o ensino do criacionismo nas escolas, que homossexuais mereçam o inferno, que as mulheres "sejam submissas aos maridos" (palavras de S. Paulo)...
Há um estupendo documentário recentemente lançado, chamado "Jesus Camp", que mostra o endoutrinamento cego de crianças nas hostes neo-evangélicas nos EUA. Não deixe de ver. O mesmo ocorre no Brasil. Precisamos urgentemente de uma nova Reforma.

Alma said...

Realmente, essas seitas pentecostais nos EUA são tão fanáticas quanto os wahabitas...
Acho que assisti na TV uma parte desse documentário, onde os militantes da igreja ensinavam crianças de 4 anos que Darwin estava errado...

deboraHLee said...

Fernando,

não tenho dúvidas de que haja muitos pensadoes muçulmanos moderados. Só que eles não servem ao interesses do terrorismo de nenhum dos lados: nem dos islâmicos radicias, nem dos anti-islâmicos radicais, que se nutrem, ambos, da ignorância e das trevas.

E mídia ocidental, movida, como sempre, por interesses vários, nem sempre abre espaço para estes pensadores. Para variar, neste ponto, a França, costuma [ainda...] dar de mil a zero em muitos outros países. Bravo, encore, à eux!

bises.