Monday, July 07, 2008

Lei Seca e o Bob


Eu me mudei há pouco tempo para Campo Grande. A cidade é bonita, as avenidas são largas, engarrafamentos são raros, ninguém tem aquela pressa paulistana para chegar no trabalho.
Mesmo assim o trânsito é um caos. Nenhum sinal é respeitado, nem de dia e muito menos à noite. Todos parecem desesperados no trânsito. E se você quer parar para fazer uma baliza, pode esperar as buzinadas. Pessoas gentis e afáveis viram bicho atrás do volante, há acidentes ridículos em quase toda esquina porque preferenciais não são respeitadas.
Agora há a Lei Seca.
A população aguarda ansiosa para saber se a lei vai "pegar", porque no Brasil não basta haver uma lei, é preciso que a lei "pegue".
E aqui é assim, se há um problema sério a gente tasca logo uma lei de primeiro mundo que é pra ninguém botar defeito. Álcool zero. O sujeito que toma um copo de vinho no restaurante e dirige um volvo a 60 por hora é igualado ao alcóolatra que vai com uma Brasília velha sem farol por uma rodovia de mão única a 130 por hora.
Campo Grande tem dois bafômetros. A polícia não dá multa nem em quem passa no sinal vermelho, e isso acontece a cada minuto sob as barbas das otoridades. Como eles esperam que a Lei Seca funcione? Se a lei anterior que também impunha limites ao consumo de álcool não funcionava, porque esta vai?
Como exigir uma Lei Seca em um país onde se compram cartas de motorista, onde o transporte público é deficiente e onde ninguém pode andar em segurança pela rua à noite?
Como evitar que um policial que ganha uma merreca aceite embolsar a multa de mais de R$ 900 para liberar o bêbado pego em flagrante?
Isso não quer dizer que eu seja a favor de motoristas bêbados. Só acho que o Brasil tem muita coisa a melhorar antes de poder exigir isso de seus cidadãos. E a coisa mais básica a ser melhorada é a educação. Inclusive a educação familiar.
Na minha faculdade, todo cretino que batia o carro bêbado em festas voltava para as aulas na semana seguinte com um carro melhor e mais novo dado pelo pai. Tentar entender isso me dava vertigens.
Eu sonho com um país onde as pessoas decidam não dirigir depois de beber não porque uma lei cretina exige, mas porque elas tem consciência das consequências de seus atos.
Enfim, se a lei pegar, os holandeses acharam uma solução para sair e se divertir de carro: o Bob.
Bob é a sigla para Bewust Onbeschonken Bestuurder, ou Motorista Voluntariamente Sóbrio, e faz parte de uma campanha publicitária do Ministério dos Transportes holandês.
Bob é o mané que vai tomar guaraná enquanto seus amigos enchem a cara, e vai depois levar todos para casa, um por um.
Deve ser bem chato ser o Bob, mas o posto tem suas vantagens. O Bob frequentemente tem suas bebidas não alcóolicas pagas pelo resto da galera. E o Bob não precisa ser sempre Bob, ele é Bob esta semana e na semana que vem escolhe-se um outro Bob.
O Bob ainda pode extrair confissões indecorosas de seus amigos bêbados para poder usar em futuras chantagens.
O duro é achar entre os amigos que tenho alguém que queira ser Bob. Alguém precisa estar com hepatite.

12 comments:

Marie Tourvel said...

Olá, Fernando. Retribuindo a visita e já o adicionando nos queridinhos da Marie. Lerei com calma seus antigos posts, mas por esse último já vi que a gente vai se dar bem, viu? Eu nem ligaria de ser o Bob sempre, porque, apesar de adorar tomar vinho, se eu passar da terceira taça, dou vexame. ;) Então, quando precisar de uma Bob, tô aqui. Um beijo, querido.

Lelec said...

Olá, caro Fernando,

Com sua licença, hoje vou disconcordar (sim, esse verbo existe) de você.

Já passei tempo suficiente em pronto-socorros para ver o quão explosiva é a combinação álcool e volante. E já vi muitas famílias destruídas (espero que não seja seu caso) por causa de gente que acha que não tem problema tomar “uma” antes de dirigir.

Há algumas coisas no seu texto que mereceram minha atenção:

1)Você dá a entender que o governo não pode exigir que os motoristas dirijam sóbrios porque ele não cumpre seu papel em outras áreas: “só acho que o Brasil tem muita coisa a melhorar antes de poder exigir isso de seus cidadãos”. Esse pensamento é falacioso. Por certo, o Estado brasileiro não corresponde às suas obrigações. Mas não é porque o governo não se ocupa de construir ferrovias e metrôs dignos que se deva permitir que motoristas dirijam embriagados. O não cumprimento das obrigações por parte do Estado não nos desobriga de cumprir as nossas. E, não é demais lembrar, não estamos tratando de uma troca de coleguinhas de colégio, do tipo “só faço isso se você fizer algo em troca”. Estamos falando de algo mata e aleija milhares e milhares de pessoas todos os anos.

2)Você menciona contrapõe um sujeito em um Volvo a um bêbado em uma Brasília velha. Se a Brasília é velha e não tem condições de rodar, que se puna o motorista por isso. Se o motorista for alcoólatra, que sofra as sanções legais. Mas um sujeito que tomou um pouco de vinho antes de dirigir seu Volvo a 60 por hora também é perigoso – e muito! Aí é que está o ponto. Não se justifica a complacência com uma situação perigosa só porque há outras ainda mais perigosas. Considerando a lentificação de processos cognitivos sob efeito do álcool (tenho bibliografia científica a respeito, caso se interesse), o senhor do Volvo pode fazer um estrago enorme (ele tem grande chance de não sofrer nada, pois seu carro é ultra-seguro, mas o mesmo não se pode dizer da criancinha que ele atropelar a 60 por hora). Com certeza, só há um nível seguro de álcool no volante para todos: zero.

3)Temos que educar a população? Claro que temos. Mas uma das maneiras de se educar o povo é aplicando a lei. Esse negócio de que a lei não é importante e a única coisa que vale é a educação é uma tese esquerdóide. Lembro-me do caso do menino João Hélio: teve gente dizendo que o importante não era punir os marginais, mas educar jovens na favela para que outra desgraça não acontecesse. Balela. Quando as pessoas são justamente punidas pelos erros que cometem, elas são educadas; toda a sociedade é educada. A aplicação da lei é pedagógica. Veja os EUA: não são lá o povo mais educado do planeta, mas sabem direitinho como respeitar uma lei. Logo, são um país civilizado. Igualzinho aqui na França: muitos não bebem antes de dirigir exatamente por causa de uma “lei cretina” que será aplicada caso eles sejam apanhados em flagrante.

4)Existe no Brasil um abismo entre a lei escrita e a prática? Claro que sim! A lei, como você bem falou, “tem que pegar”. Mas quando se critica uma lei adequada logo após sua gestação, é porque não se quer mesmo que ela “pegue”. E a culpa, depois, é claro, é do governo. O primeiro passo é ter uma boa lei. Que bom que isso foi feito. Se depender de mim, vai pegar. Não sou moralista, gosto de uns goles, mas longe do volante. Há vinte anos, dizia-se que brasileiro nunca usaria cinto de segurança. Hoje, todo mundo usa, ao menos nas cidades. Mérito da aplicação da lei e da educação feita junto aos motoristas nesse aspecto. Se a polícia não dispõe de meios para aplicar a lei, que cobremos pelos equipamentos. Se os policiais ganham mal, que lutemos para que sejam bem remunerados. Temos que andar para frente, e não para trás.

5)Ah, se dependesse de mim, ainda seria proibida a venda de álcool em estradas. Nossos índices de mortos e feridos em estradas são estarrecedores. Um problema radical precisa de remédio radical.

Desculpe-me pelo tamanho do comentário.

Abração,

Lelec

Alma said...

Lelec,
Sobre os limite de álcool no sangue, você como médico certamente sabe do que está falando, Mas eu ainda acho que os riscos que a pessoa oferece dependem não só da quantidade de álcool, mas do seu tamanho, do seu carro, do seu histórico. Sou contra tratarem igualmente o alcoólatra piscopata e alguém que tomou um chope antes de ir para casa.
Mas no resto você tem toda a razão, não quero justificar o álcool ao volante com a ineficiência do governo.
Minha crítica é que o país inventa leis quando obviamente não tem condições de aplicá-la corretamente. A lei anterior existia e mesmo assim ninguém fiscalizava.
Também concordo que a impunidade é a causa de muitos dos nossos males.
Mas a minha vontade era a de ter cidadãos minimamente educados e que obedecessem as leis não por que as leis são uma imposição do governo, mas porque em seu íntimo acreditam que a lei está certa.
De que adianta o sujeito obedecer à lei só porque o guarda está olhando? E quando o guarda vira as costas?
Obrigado pela discussão
Abraço

Lelec said...

Olá Fernando,

Muito obrigado por abrir o espaço à discussão. É sempre muito bom discutir com você e seus leitores.

Bem, é claro que a ação de determinada dose de álcool depende de vários fatores (sexo, peso da pessoa, horário, metabolismo hepático, teor alcoólico da bebida, qualidade do sono e por aí vai). Não dá para controlar todos esses fatores, é pouco previsível. Por isso, para fins práticos, há que estabelecer um limite seguro. Como diz a Veja dessa semana: “Em vista disso, o que os especialistas dizem é que o único limite de alcoolemia seguro para todos (frise-se: todos) os motoristas é zero.” Nesse aspecto, iguala-se, no momento do flagrante, o alcoólatra ao camarada que tomou um chopinho. Os dois devem ser punidos. Se o alcoólatra é reincidente, se já se envolveu em acidentes graves, se dirige uma furreca velha e o cara do chopinho nada disso, então a punição do alcoólatra deve ser mais pesada. Mas o cara do chopp tem que ser punido também.

Também gostaria que as pessoas vivessem em paz não por medo da repressão legal, mas por educação. Nesse cenário utópico, nem precisaríamos de leis, né? Mas o bicho-homem não funciona assim. Não funcionamos no modo “educação” o tempo todo. Há algumas semanas, saí com uns colegas a um clube de jazz. Todos bebemos, claro. Uma colega bebeu e se acidentou ao voltar para casa na sua moto. Ela detonou seu joelho. Ela sabe que álcool não combina com direção: vê regularmente pacientes com déficits neurológicos causados por essa bombástica associação. Ela é educada, tem doutorado em neurociências, um punhado de artigos publicados. Faltou educação? Não! Faltou a certeza de que seria flagrada por uma blitz policial e de que seria punida. Agora um exemplo em que não faltou “educação”, mas a lei existiu: na Inglaterra um colega meu participou de um encontro com um professor de neurocirurgia. O tal professor tomou um pouco de vinho e, na volta para casa, aparentemente sóbrio, foi parado em uma blitz. O bafômetro o pegou. Era um senhor tranqüilo, nunca tinha causado acidentes. O juiz deu-lhe uma pena pesada (perdeu a licença de condução por um bom tempo). A justificativa do juiz? Foi mais ou menos assim: “O senhor é um eminente professor de neurocirurgia. Sua pena deve ser maior do que a dos outros, visto que conhece os danos que o álcool pode produzir quando associado ao volante. Sabe bem mais do que o cidadão comum. É de pessoas como o senhor, que educam e formam médicos e outros profissionais de saúde, que se deve partir o exemplo.” Isso é civilidade.

Termino citando Costa Machado, advogado colunista da Veja: “Embora a criminalização do dirigir embriagado possa desagradar a muitos, se esta alteração do Código de Trânsito servir para salvar pelo menos uma vida no Brasil, com certeza haveremos de reconhecer que terá valido a pena.”

Abração,

Lelec

bete p.silva said...

Legal tudo que Lelec disse, mas continuo concordando com você. Só que dessa consciência cidadã, infelizmente estamos longe...

Alma said...

Fala a verdade, é bem melhor mesmo discutir com gente inteligente do que receber um email daqueles dos tonton macoutes...

Marie Tourvel said...

Os argumentos estão aí. Ok. Nunca veremos essa consciência por aqui, Fernando. Será um tal de prender pessoas que comeram garrafinhas de chocolate com conhaque que vai ser uma beleza, viu? Enquanto isso, prenderam algumas pessoas envolvidas no mensalão. Engraçado, é que o chefe da quadrilha continua lindo, leve e solto. Tá bom, nada de lindo. Só leve e solto. Um beijo.

clabrazil said...

Dream, dream, my dear Fernando.

Acho a lei ótima.
O país que é errado. :-)

Tô sentindo um quê de inconformismo típico de quem voltou à terrinha?

Beijos,
Cla

Ricardo Rayol said...

triste cenário esse.

Anonymous said...

Alma, se achar o Bob, me avise, tb estou procurando.

Há outras três opções:

- taxi - um pouco caro, mas eficaz
- bicicleta - estrago menor, mas o risco é o mesmo
- beber em bares perto de casa

Resumindo:

Viva o boteco da esquina e padaria!

Abs, Ribamar

deboraHLee said...

Cher Fernandô!

Sou TOTALMENTE a favor deste Lei.
Como alguém já disse por aí, ninguém está proibindo ninguém de beber. O que se está proibindo é dirigir depois de beber. que me parece super-lúcido. Vc. entraria num avião, cujo piloto bebeu un 'chopinho'? Viajaria num ônibus cujo motorista deu um 'traguinho'?

Então, simples assim.

Assino embaixo dos comments do cher Lelec.

E como nem carteira de motorista tenho, continuarei bebendo meu vinho em paz. ;o))

beijos!
d.

Anonymous said...

Buen comienzo