Saturday, November 11, 2006

Les particules elementaires


Michel Houellebecq é a sensação do momento na literatura francesa. O livro Les Particules Elementaires é de 1998, e agora que o li entendi o porque do barulho todo.
O livro conta a história de dois meio-irmãos, Michel e Bruno criados separadamente. Entre a infância nos anos 60 e 70 e a entrada na adoslescência e maturidade nos anos 80 e 90, os dois levam vidas completamente diferentes e ao mesmo tempo medíocres. Michel desconhece o amor ou qualquer sentimento afetivo. Sua vida se resume ao seu trabalho como pesquisador em biologia molecular e às suas idas e vindas ao supermercado. Bruno é professor, e de uma infância infeliz ele passa uma maturidade em busca constante de prazer físico, entre prostitutas e clubes de swing.
Lendo Houllebecq acabei por compreender muita coisa. O pano de fundo do romance, é o retrato do declínio e da decadência da nossa civilização ocidental. Compreendi como a evolução da ciência acabou dispensando a existência de religiões, como as lutas e conquistas por liberdade dos anos 60 se transformaram no individualismo e hedonismo dos anos 80 e 90.
Compreendi como conquistamos a liberdade tão desejada, mas desprovida de qualquer base moral, e por isso vazia. Chegamos em certo sentido perto da utopia de Aldous Huxley mas não ficamos mais felizes por isso. Ao contrário, vivemos vidas idiotas em grandes cidades, somos viciados em trabalho, pornografia, drogas, juventude, prazer. Temos horror ao envelhecimento e por isso apelamos tanto às clínicas de cirurgia plástica e aos novos produtos de beleza. Preferimos muitas vezes morrer a viver aleijado ou paralítico. Preferimos morrer a viver com aparelhos, e por isso agora aplicamos eutanásias à torto e a direito. Queremos ser sempre jovens, e queremos as mulheres sempre magras, depiladas e disponíveis como nos filmes pornôs.
Esse eterno medo do envelhecimento nos deixa inseguros, queremos viver uma adolescência eterna. Quando tomamos consciência de que nosso corpo vai envelhecer apesar do silicone e do botox, nos tornamos depressivos.
Nenhum padrão moral nos serve mais de referência, só celebridade e grana. Nossos ídolos são rappers e rock stars.
Compreendi finalmente porque europeus se suicidam mais do que africanos, porquê os nativos de Vanuatu são mais felizes do que os finlandeses.
Compreendi ainda o profundo desprezo que os fundamentalistas religiosos têm pelo Ocidente.
Li um outro livro, o da Bruna Surfistinha. Basta uma dezena de páginas para perceber que a garota é uma cretina completa. Existem milhares de meninas se matando de trabalhar e estudar, driblando assédio e violência para conseguir um lugar ao sol.
Nós damos fama e fortuna à puta, ladra e drogada.
Acho que Bruna tem absolutamente todo o direito de publicar o que bem entender e fazer dinheiro com isso, e a admiro (mercadologicamente) por tê-lo feito com competência. O mercado não é a causa, e sim um sintoma da doença da nossa sociedade. O mercado vende o que queremos comprar. O mercado nos vende grifes, modelos magras, homens malhados, putas bem sucedidas, políticos falsos, rappers cobertos de diamantes porque é isso o que queremos consumir!
No livro de Houllebecq, Michel, com suas pesquisas genéticas, acaba por dar as bases à extinção da espécie humana e à criação de uma nova espécie, imutável, assexuada e imortal. Este foi o único caminho encontrado para sair da decadência. Ou talvez este caminho seja consequência dela.
O New York Times classificou o livro como uma leitura repugnante, apesar dos prêmior literários com os quais foi consagrado na Europa. O Times está certo, é repugnante ver o declínio do meu mundo assim descrito como um tapa na cara. Mas o livro é brilhante.

3 comments:

clabrazil said...

ADOREI, Fernando!
Sou fã de carteirinha do Houellebecq. Já li Atomised, Whatever e tenho outro que não me lembro agora o título na fila de espera. Também assisti Platform no teatro.

Deixe o New York Times falar o que quiser. Acho meio difícil os americanos entenderem o Houellebecq. Justamente por a sociedade deles ser ainda tão cega à decadência que vivem.

Eu adoro decadência. :-)

Essa questão da insatisfação, do vazio nas sociedades ricas foi abordada muito bem numa entrevista que li do economista brasileiro Eduardo Giannetti. Copiei um trecho aqui mas te repasso o original por email:
"É uma visão de que o que se ganha de um lado, se paga de forma não explícita de outro. É uma permuta, o que os economistas chamam de trade-off. A civilização traz enormes conquistas nos campos material, biomédico, de conforto, de segurança. Mas se paga por isso uma conta não desprezível de perda de vitalidade, de crescente descontentamento do ser humano consigo mesmo. A imagem que o Nistzsche usava que é muito poderosa, a de um animal que se bate contra as grades da prisão que ele mesmo construiu, e que são a civilização e todo o cerceamento que ela impõe às nossas pulsões primitivas. No fundo a mente humana, o corpo humano são relíquias pré-históricas subitamente trasladadas pra um ambiente de alta exigência de tecnologia, de competição."

Beijos,
Clarisse

Anonymous said...

Fernando,

Te ler sempre aguça a vontade de ler o que descreves, não se sei este autor é traduzido para o português, se tiver tô correndo pra ler!
Cris

Flávio said...

Fernando, é realmente impressionante como, apesar do progresso material, pouco evoluímos no espírito. :( Abraço grande