Fui ver Zuenir Ventura falar sobre a cultura da violência em um evento chamado Diálogos Contemporâneos, uma bela iniciativa da prefeitura de Campo Grande.
Zuenir passou dez meses na favela de Vigário Geral no Rio de Janeiro para entender a história da trágica chacina e ver de perto as origens da violência na guerra urbana do Rio. Aí nasceu seu livro Cidade Partida.
Como ele mesmo admite, no tempo em que todos os intelectuais eram marxistas, era lugar comum dizer que o homem era produto de seu meio, e que a violência seria fruto da miséria. Argumento que hoje ele percebe ser uma grande bobagem.
Em primeiro lugar, ele mesmo constatou que na favela, uma mínima porcentagem de pessoas está ligada ao tráfico e ao crime. A grande maioria é de trabalhadores que vive ali porque é onde puderam achar lugar na cidade. Dizer que miséria gera crime é na prática ofender a quem é pobre e vive honestamente, já que este não tem culpa da violência.
Os dois protagonistas de Cidade Partida nasceram e viveram sob as mesmas exatas condições. Um tornou-se sociólogo, líder da comunidade e depois ameaçado foi viver nos EUA. O outro virou chefe do tráfico e morreu em um tiroteio.
Há portanto outros caminhos para a violência, que não passam necessariamente pela condição social do indivíduo, e sim por escolhas que lhe são oferecidas.
Ao visitar uma obra de assistência que tirava crianças do crime, ele lembra de ter-se perguntado "como é que há tantas crianças no tráfico?". Depois de conhecer suas histórias e a absoluta falta de perspectivas de vida na favela perguntou-se "como é que não há mais crianças no tráfico?".
E a percepção que o jornalista e escritor tem da violência é que esta na verdade há muito saiu da favela e impregnou-se na sociedade carioca (e o que vale lá vale também em diferentes escalas para o resto do Brasil). Está no trânsito, no jeitinho, nos subornos, nos pit-boys que batem em empregadas, no bullying nas escolas, no culto da porrada, nas madames que levam os cachorrinhos fazer cocô na calçada pública, nos políticos e policiais corruptos, em todos os lados. É o que ele batizou de cultura da bandalha, uma cultura estimulada pela impunidade, pelo exemplo que vem dos altos escalões, por uma legislação falha e por uma polícia com grande parte podre.Perguntei-lhe se a classe média alta da Zona Sul, a grande consumidora do tráfico não tinha noção de estar alimentando a violência. Zuenir diz que a mentalidade dominante é aquela que diz o problema é sempre dos outros. Até que as balas perdidas lhes comecem a chover nas cabeças. Mas ele não acredita na guerra contra o tráfico, acha que ninguém vai ganhar. É do partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que defende a descriminalização do uso, ou que pelo menos o tema seja debatido pela sociedade.
Zuenir foi inteligente, coerente, sincero. Mas nesse ponto eu permito-me discordar. Primeiro vamos resolver o problema da polícia podre, da impunidade, da corrupção e aí vamos pensar nessa tal descriminalização.
Até lá eu sou da opinião do Capitão Nascimento. Tá vendo aquele corpo ali? Quem matou? Foi tu, maconheiro.
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