Saturday, September 09, 2006

7 de setembro


No começo do ótimo filme “La Haine” de Mathieu Kassovitz, o narrador diz que esta é a história de um homem que cai do alto de um prédio. Durante a queda, para se sentir melhor, ele vai repetindo para si mesmo: até aqui tudo vai bem, até aqui tudo vai bem, até aqui tudo vai bem...
Me pergunto se não estaríamos vivendo assim hoje no Brasil. Até aqui tudo vai bem. Levamos tiros nos semáforos mas ainda estamos bem. Nous roubam a cada dia em Brasília enquanto nos matamos de trabalhar mas sempre há uma cervejinha no fim da tarde e um churrasquinho no final de semana. Faltam escolas e hospitais mas queremos ver as novidades na Caras e desfilar no Carnaval. Seus filhos podem comprar droga na esquina e suas filhas estão grávidas aos treze anos, mas nas novelas tudo acaba bem.
Estamos em queda livre, sem ter onde nos agarrararmos mas somos brasileiros e não desistimos nunca.
Há algo profundamente errado no modo como brasileiros encaram a vida. Estamos sempre esperando que nossos problemas sejam resolvidos por algum salvador da pátria no governo, milagres de algum santo ou ajuda da natureza. Somos infantis, nada do que fazemos ou nada do que nos acontece é culpa nossa.
Na minha faculdade, cada imbecil que batia o carro bêbado voltava na semana seguinte com um carro mais novo, presenteado pelos pais.Toda vez que tentava entender isso ficava tonto.
Uma mulher que abandona o filho ou o joga na lagoa é porque é mal compreendida e mal amada, toda a explicação está nas revistas femininas.
Os sem-terra que invadem e destroem propriedades privadas podem fazê-lo porque são oprimidos.
A Bruna Surfistinha virou puta porque o pai brigava com ela porque ela roubava e estava infeliz sendo a gordinha do Colégio Bandeirantes.
Alguém que sequestra e traumatiza um ser humano como Abílio Diniz é devolvido à sua terra porque é um “preso político”.
O Marcola tem o direito de transformar São Paulo em Bagdá porque os presos são mal tratados nas penitenciárias.
Para a Igreja Universal (e tantas outras, como diz o Reinaldo Azevedo não respeito nenhuma igreja com menos de 400 anos) se sua vida está dando errado é coisa do capeta, se dá certo é por influência deles, e trate de pagar seu dízimo e garantir já seu lugar no paraíso.
Nosso presidente será reeleito depois de ter promovido o maior esquema de corrupção da história do país porque sempre foi assim e como diz o Paulo Betti todo político tem que por a mão na merda.
Somos infantis, temos sempre a quem culpar pelos nossos erros e crimes.
De onde vem essa infantilidade toda? Herança cultural de portugueses, índios e negros misturados? Da mídia de massa e da publicidade? Ou será que a mídia e o marketing só se aproveitam disso?
Não sei, só sei que a cada momento que uma nova ideologia politicamente correta aparece já estamos nós lá a encontra uma desculpa nova.
Eu acredito que em cada indivíduo é que está o poder de separar civilização e barbárie.
E não adianta que o problema não é só educação. Os piores ditadores africanos estudaram nas melhores universidades européias. Não são todos doutores os políticos que nos roubam? Educação é muito mas não é tudo. Há muito pobre analfabeto com moral e muito advogado sem nenhuma.
Essa moral individual que nos dá a capacidade de distinguir certo e errado tem muitas fontes. E o Cristianismo é a fonte que mais influenciou nossa civilização ocidental.
Mas acredito em uma força mais poderosa ainda do que o Cristianismo para podermos nos agarrar nessa nossa queda livre: nossa própria história.
Somente olhando e estudando nosso passado é que evitaremos repetir os mesmos erros que outros já cometeram. A história não recisa necessariamente se repetir, nem como tragédia e nem como farsa.
Vai ser difícil, já que não nos lembramos mais nem do que aconteceu no mês passado. Mas somos brasileiros, e mesmo com toda a fama, com toda a brahma, com toda a cama, com toda a lama, a gente vai levando essa chama.

1 comment:

Anonymous said...

A verdade é que quanto mais o brasileiro se dá conta do mal que se instalou a sua volta, mais ele percebe que chegou a um ponto onde há pouco a ser feito. Se houvesse um sentimento de mobilização geral, acredito que a história seria outra.

Acho eu que o nível de apatia é somente um reflexo da impotência. Já que sozinho não se pode lutar, já que é raro encontrar partidos que queiram se unir ( acredito que de certa forma a repressão dos anos de ditadura possam ter uma influência indireta, quem sabe?), muitos optam por fechar os olhos e pensar no pouco que resta de bom na esfera íntima.

Todo ser humano, toda sociedade, passa por uma fase de crescimento. Algumas, auxiliadas por 'adultos' como a União Européia, têm mais facilidade. Outras, que permanecem tendo suas forças sugadas por países mais influentes e até mesmo em casa por pseudo políticos, levam mais tempo.

Acho que daqui a 150 anos vamos estar na adolescência. Como não vou estar lá pra ver, vou lembrar que na novela tudo sempre acaba bem. A não ser que alguém apareça disposto a não pensar sempre em si e juntos consigamos fazer a diferença.

Paula