Fuori controllo, tra edonismo e paura, il nuostro futuro brasiliano. Esse era o título original deste ensaio do sociólogo e jornalista italiano Giuliano da Empoli. Li a tradução francesa editada agora pela Grasset. Fiquei sabendo deste ensaio por uma notícia de jornal, mas a verdade é que ele me surpreendeu, e agora o considero uma leitura essencial nestes tempos em que vivemos.
Durante as epidemias de peste na Idade Média, frequentemente se viam casas onde as pessoas choravam os mortos e outras onde elas se entregavam a todo tipo de abusos e depravações.
Segundo Giuliano da Empoli, o Brasil foi indevidamente esquecido por filósofos e pensadores modernos que ao que parece preferem as cinzentas cidades do norte europeu. Ziraldo já dizia que se na Alemanha desse praia a história da filosofia seria outra. Neste ensaio o autor vê o Brasil, um dos países mais festeiros e inegalitários do mundo como uma espécie de espelho do mundo contemporâneo, com duas vertentes complementares, a carnavalesca ( a orgia) e a trágica (a peste).
A Orgia
O Brasil na visão do estrangeiro é o país do carnaval, do samba e futebol. Um país onde as elites tentaram de modo fracassado imitar as elites européias com seus boulevards e óperas mas que depois descobriu com Gilberto Freyre que sua força não estava em sua elite, mas na sensualidade e na miscigenação de seu povo. Depois de assumir essa identidade é que o Brasil descobriria sua imensa riqueza cultural, da qual o Carnaval é a expressão máxima. É no Carnaval que o Brasil une as influências de suas diferentes origens, e é no Carnaval que pobres e ricos se encontram. Ao contrário das ideologias racionais que sempre caracterizaram o progressismo Ocidental, o carnaval é verdadeiramente a única ideologia brasileira. A ideologia de aproveitar a vida e não se preocupar.
Da Empoli fala então da Carnavalização do mundo, da democratização da orgia. Das raves européias à Sex & The City americana, o mundo quer sexo, drogas e diversão. Somente a Califórnia produz mais de dez mil filmes pornôs por ano, todos os dias aviões lotados deixa cidades da Europa levando turistas sexuais à Tailândia, ao Leste Europeu e ao Brasil. A pornografia é o negócio número um da internet e aparece cada vez mais na TV. Tudo que se relaciona ao corpo, de dietas a cosméticos e cirurgias plásticas vendem como nunca. A indústria do jogo dobrou o faturamento nos últimos 10 anos. Da mesma forma, chefs de cozinha como Jamie Oliver e estilistas como Armani e Dolce & Gabbana tornam-se superstars porque a Carnavalização é também comer, beber e se vestir bem. Esse novo hedonismo de massa fez surgir também uma nova superclasse de cidadãos, as celebridades. No começo do século quando perguntados sobre seus ídolos, estudantes americanos citavam personagens da história e de letras. Nos dias de hoje 100% dão o nome de atores e celebridades. Se no passado nossos modelos de sociedade eram baseados em caráter, honestidade, realização, hoje a única característica que se precisa ter para entrar na superclasse é a capacidade de atrair atenção. Atenção hoje é uma commoditie rara, e por isso quem consegue atenção o faz frequentemente agindo fora do padrão histórico de comportamento (pense em Paris Hilton sem calcinha ou Britney Spears careca se dizendo o anticristo). Nada disso afeta o povo neo-carnavalizado, eles querem também ser famosos, daí as filas imensas nos programas de auditório e o sucesso dos mais estúpidos reality-shows. O que vale é ter fama e viver bem. Mesmo na política, Silvio Berlusconi, Arnold Schwarzenegger e Pim Fortuyn são exemplos do futuro político, cuja eleição depende mais da imagem do que de idéias. Da Empoli cita Seneca, dizendo que o epicurismo, a busca do prazer é feita geralmente por quem esqueceu o passado, não se preocupa com o presente e tem medo do futuro.
A Peste
O Brasil não vive um conflito bélico em seu território há mais de cem anos. No entanto são mais de 50.000 mortes violentas por ano, o dobro do que a ONU julga necessário para considerar um país em guerra. A violência brutal do tráfico está aí no cadáver na esquina e em parte nenhuma. Nas grandes cidades, os brasileiros se tornaram paranóicos esperando a próxima bala perdida, com cercas elétricas nos muros de seus condomínios fechados. O espaço público começa a ser privatizado, só vamos às compras nos shoppings fechados e seguros. Crianças brincando nas praças só dentro do condomínio.
Segundo Giuliano da Empoli o 11 de setembro e os conflitos que se seguiram depois (dos quais Sarajevo foi o terrível presságio) trouxe essa paranóia à la brasileira para o mundo inteiro. A próxima vítima do terrorismo não é um soldado no front, as vítimas podem ser turistas em Bali, executivos em Manhattan ou suburbanos em Madrid. Antigamente quando as notícias chegavam pelo jornal escrito, a impressão da violência era muito menor. A televisão trouxe os cadáveres da Palestina para a nossa sala. E como a imagem é muito mais acessível do que a escrita, nossas crianças estão perdendo a infância. Estamos voltando ao tempo em que adultos não se incomodavam em praticar atos violentos e obscenos diante de crianças.
A tudo isso soma-se o self-service da alma. Assim como na moda, emprestamos idéias e acessórios das religiões que conhecemos para formarmos nossas próprias crenças. Há católicos que acreditam em reencarnação e que praticam meditação budista. Em tempos obscuros, onde o futuro é incerto, renascem superstições e crenças outrora enterradas pelo racionalismo. O sucesso de Harry Potter e do Senhor dos Anéis, da astrologia e do New Age ajuda a provar a tese. É o fatalismo high-tech.
A luz no fim do túnel
Nietszche disse que o único modo de dar mais solidez aos fundamentos da sociedade é o de dar um papel ao lado escuro que sustenta tudo o que é humano, ao excesso de energia que todo organismo possui face à exigência pura e simples de sobreviver.
Joseph Conrad com seu Heart of Darkness e Euclides da Cunha com Os Sertões descreveram bem o que o homem é capaz de fazer em nome do progressismo. Foram junto com Nietszche, na visão de da Empoli, os profetas das desgraças do século XX.
Os intelectuais progressistas de hoje se calam perplexos diantes da carnavalização do mundo, que eles chamam de decadência, porque esta vai contra tudo o que eles pregam em racionalismo.
Giuliano da Empoli diz que essa força animal que o homem tem, essa sede de orgia, longe de ser reprimida deve ser controlada e usada contra o perigo do integrismo que vivemos hoje. O islamismo, assim como o nazismo, o fascismo e o comunismo antes dele, quer criar um homem novo e puro, e para isso considero todos os meios justificáveis. Uma espécie de nihilismo positivo pode evitar a contaminação do Ocidente por essa idéia, visto que quem gosta de aproveitar a vida tem uma grande dificuldade em sacrificá-la. Como o próprio Osama Bin Laden reconheceu, vocês tem milhares de jovens querendo viver e nós temos milhares prontos a morrer.
Usando-se a vertente carnavalesca para o lado positivo, resta-nos cuidar da vertente trágica da Brasilianização do mundo. E para isso o autor recomenda esquecer os preceitos esquerdistas de que o Ocidente é a causa do terrorismo islamita. Consideramos que atentados terroristas não são decisões de terroristas, mas consequências dos nossos atos. Segundo esses esquerdistas, o privilégio de um indivíduo adulto tomar uma decisão seria reservado aos Ocidentais. Da Empoli diz que essa é a maior prova de racismo que poderíamos dar em relação ao mundo islâmico.
Da mesma forma o esquerdista culpa “a sociedade” pelos crimes dos traficantes de drogas do Rio, isentando-os de responsabilidade. Giuliano da Empoli cita como exemplo Tony Blair, o primeiro esquerdista a tomar o lado das vítimas dizendo “Tought with crime, tough with the reasons of crime”. Atitude sendo felizmente seguida por outros.
Vencida a paranóia restará o amor à vida dos “carnavalescos” para vencer o integrismo.