Saturday, August 11, 2007

O Alcorão e a Holanda


Esta semana, um deputado holandês chamado Geert Wilders, líder do Partido da Liberdade, discursou no Parlamento pedindo a proibição do Alcorão, o livro sagrado muçulmano. Segundo Wilders, o Alcorão é o Mein Kampf islamita, um livro fascista que incita à violência. Obviamente o discurso foi um escândalo provocando reações diversas na sociedade holandesa. Um rapper já fez uma música dizendo que Wilder mereceria uma bala na cabeça. Representantes islâmicos perguntaram se ele proibiria a Bíblia e a Torá também. Por outro lado, 20% dos holandeses dizem que ele têm alguma razão.
Eu acho que as idéias de Geert Wilders são ainda piores do que seu penteado. Hoje em dia, escreveu Giuliano da Empoli em seu ensaio “Entre hedonismo e medo”, a atenção é a commoditie mais valiosa do mercado. Conseguir atenção significa poder, o que vale para políticos, celebridades e para a gente comum que se inscreve em massa nos reality shows da TV. Eu acho que atenção é a única coisa que Geert Wilders quer com seu discurso.
O Alcorão é o livro sagrado da segunda religião mais importante do planeta, com mais de 1.3 bilhão de crentes. Destes, uma ínfima minoria usa uma interpretação do Livro para um projeto de poder totalitário. Este projeto de poder chama-se islamismo, e isso sim deve ser combatido.
O Mein Kampf de Adolf Hitler não pode ser editado ou vendido na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Não é difícil imaginar porque, já que o propósito do livro é realmente propagandear o nazismo. Comparar Mein Kampf com o Alcorão é no mínimo uma imbecilidade.
A Holanda sempre teve uma longa e louvável história de tolerância religiosa, base da multiculturalidade que se vê no país hoje. A democracia holandesa baseia-se no respeito ao indivíduo, e é irônico que um Partido que se intitula da Liberdade apareça com uma proposta dessas. A democracia na Holanda e em qualquer lugar pode e deve proteger-se contra o totalitarismo. Isso se faz proibindo o Alcorão? Não. Isso se faz proibindo-se que um partido islamita queira implantar a sharia como lei, ou que mulás extremistas discursem incitando jovens à violência, ou que a vida de alguém seja ameaçada por fatwas.
A New York Review of Books traz um interessante artigo de Malise Ruthven sobre os livros de Tariq Ramadan: “In the Footsteps of the Prophet”, “To Be a European Muslim” e “Western Muslims and the Future of Islam”. Tariq Ramadan é um intelectual islâmico que vive hoje na Inglaterra. Embora já tenha sido descrito na França como um lobo em pele de cordeiro, Ramadan se esforça para que jovens imigrantes muçulmanos se integram às sociedades ocidentais sem traumas. Em seus livros, ele insiste em que o Alcorão e a vida do profeta sirvam como inspiração para a verdadeira jihad. Não aquela contra os inimigos externos do Islam mas do homem contra seu próprio ego. Diz ele: “O verdadeiro significado da espiritualidade Islâmica está na reforma do seu espaço interior...Amar em transparência e viver na luz”.
Talvez Tariq Ramadan seja otimista demais como diz Malise Ruthven, mas talvez o Alcorão possa servir não só à causa do islamismo mas à sua também, o que Geert Wilders deveria tentar entender.

3 comments:

Lelec said...

A seguir a linha desse "cabeloso" deputado, a Bíblia, também cheia de estórias de intolerância religiosa, também deveria ser censurada: quando os hebreus chegaram à Terra Prometida, promoveram um banho de sangue. É claro, isso não é motivo para proibir o livro sagrado dos cristãos. Proibir o Alcorão é aceitar a mentira de que os muçulmanos são aqueles loucos sanguinários de filmes norte-americanos. Aqui na França, como aí na Holanda, os islamistas estão integrados à sociedade e convivem com todas as outras religiões.
Parabéns pelo blog!

Anonymous said...

O Wilders não quer proibir o alcorão. Ele busca é o discurso que vai ser polêmico a ponto de colocá-lo mais uma vez na mídia. Esse cara é um talento natural de marketing e, apesar da impossibilidade de suas idéias, o admiro por isso.

Com todo absurdo que ele diz, ao invés de ser ignorado ( como qualquer outra pessoa seria), ele está sempre em voga. E concordando com Giuliano da Empoli, ele merece mesmo que tiremos o nosso chapéu: Wilders tem um poder único de, "again and again", fazer notícia com o absurdo.

Talvez um dia crie juízo e use esse talento pra algo que realmente presta, alguma coisa que modifique a nossa vida pra melhor.

Paula

clabrazil said...

Vixe, lá vem o Wilders de novo!

Paula disse bem, assino em baixo. O cara só quer aparecer! O pior é falar um monte de asneiras e ser aclamado, mesmo que por 20% dos holandeses. Isso é que dá medo.

Beijos,
Cla