Saturday, October 14, 2006

Anna ou o novo inverno russo


A imprensa européia tem lamentado a morte da repórter Anna Politkovskaya, e tem razões de sobra para isso.
Anna Politkovskaya era com certeza umas das jornalistas mais corajosas que se conhece hoje. Suas denúncias dos abusos cometidos pela presença militar russa na Chechênia a transformaram em inimiga número um dos nacionalistas e da nova classe política que gravita en torno da figura de Vladimir Putin.
Foi assassinada a tiros na escada do prédio onde morava em Moscou.
Quem lê os relatos de Anna em seus livros e reportagens pode conhecer um pouco mais dos métodos brutais empregados pelos russos para torturar, extrair confissões, prender e punir chechenos sob uma pretensa luta contra o terrorismo.
Em seu último artigo, não terminado, para a Novaya Gazeta ela pergunta: “Combatemos a ilegalidade com a lei? Ou golpeamos a ilegalidade deles com a nossa?”
O jornal El País, que divulgou este último artigo, destaca também fragmentos de textos escritos por Anna fazendo relatos diretos de torturas perpetradas por russos em jovens chechenos.
No jornal francês Le Monde, o escritor Daniel de Roulet escreve uma carta endereçada à Anna em sua homenagem. Conta de como ela se admirava de ainda estar viva, de como ele a admiriva por ter ainda a coragem de voltra à Chechênia, e de como ao voltar, resumiu o que viu em uma frase: “Em selvageria ganhamos todos”.
Jean Daniel, na Nouvel Observateur citando Montherlant diz que não há juventude verdadeira sem a necessidade de heroísmo. Mulheres como Anna Politkovskaya ou Veronica Guerin são heroínas de quem precisamos.
Anna já é a 12a jornalista a morrer na Rússia de Vladimir Putin. E este crime não será esclarecido tão cedo. Sua morte é um sintoma da ditadura policial que se instala a cada dia na Rússia, e cada vez mais brutalmente.
Vladimir Putin criou em torno de si uma aura de justiceiro e patriota aos olhos dos russos, mas ao que parece, os inimigos deste novo czar, criado nos porões da KGB, só têm como destino a prisão, o exílio ou a morte. Perseguindo os novos ricos que não estão do seu lado, interferindo na política da Ucrânia, Bielorússia e da Geórgia, esmagando a resistência chechena ele mantém sua popularidade. Os instigadores do racismo e da xenofobia nas ruas de Moscou pegam carona nessa onda.
Bernard Guetta na l’Express diz que Anna Politkovskaya era uma pedrinha atrapalhando essa imensa engrenagem de recuar no tempo. Ela é morta como morrem no outono estas últimas flores da primavera, vítimas do frio que chegará.

7 comments:

Anonymous said...

Fernando:
Parece até ser destino do povo russo viver sob regimes ditatoriais e sob governantes que prezam o poder, e só ele.
Os exemplos são muitos, mas nos chamados tempos modernos, era de se supor que isso não mais acontecesse.
E também que déssemos mais importância a fatos como esses. Só que a mídia ocidental está preocupa com outras coisas. A Rússi, já não comunista, não representa uma ameaça. Então, podem fazer, lá, o que bem entenderem.

Anonymous said...

Trabalho com russos ( antes eram árabes, agora do mundo todo!) com frequência. Os homens russos não seguram as mãos de mulheres para cumprimentá-las. Só dizem "oi", sem nos tocar. Foi uma surpresa quando fui a uma reunião e o presidente da empresa, um russo falando um inglês tão fluente que poderia ser confundido com americano nativo, se recusou a me tocar.
Eles não gostam de negros, não gostam de outros estrangeiros ( principalemnte se forem dos Balcans) não gostam disso, não gostam daquilo. Para se obter alguma coisa no aeroporto, tive que brigar. Fui maltratada por ser estrangeira. Senti na pele o peso do preconceito.
Putin não é o causador, creio. Ele é um reflexo. Não surpreende que seja o líder que é. As pessoas vêem nele o que querem, o que são. Não se pode culpá-lo ( não estou tentando absolvê-lo, porém, o fato de ser aceito nada tem a ver com semi-ditadura). Os russos são o resultado de sua história e Putin é o resultado de seu povo. APra eles funciona. Nós, com outros parâmetros, queremos que sejam como nós. Mas eles estão felizes.
Conversei com vários russos. Muitos, para surpresa minha, acham que a Rússia é o que há de melhor e que está melhorando, que vai ser o país do futuro.

Vamos ver.
Paula

Anonymous said...

Na Russia ninguém sabe ou comenta o assunto, se alguém comentou deve ter desaparecido também. A mentalidade da politica não mudou, o povo não aprendeu o que é democracia, pode estar frio, o governo faz o que quer, mas o importante é que a vida continua. O povo Russo se orgulha da grandiosidade do seu país, da sua cultura. Dificil saber o que passa na cabeça deles, pq são fechados. Eles preferem não falar, só se voltam contra os que não tem o poder. O Moscow Times mostra tudo, não sei como o dono desse jormal ainda não recebeu uma bala como Anna. Deve ser pq nenhum russo lê esse jornal e Putin não liga para o que o resto do mundo fala. O país é muito interessante, mas aqui não não se discute religião nem política. Amo o blog Fê! Só vc mesmo.

Laura_Diz said...

Beleza de post.
Vi que Oriana Fallaci morreu de câncer. Que pena, eu gostava mto do que escrevia. Tks pela visita, coloquei seu blog entre os favoritos, é mto bommmmm
Bj laura

Flávio said...

Parabéns. Excelente texto e excelente blog, dando-nos a oportunidade de conhecer figuras como a Anna que, de outro jeito, permaneceriam anônimas aqui no Brasil. Abração.

Lúcia Laborda said...

Fernando, vi você no opiniaum e quis conhecer seu trabalho. Adorei, viu? Parabéns pelo texto! Conhecia quase nada da história da Anna. Mas sabemos como funciona esse esquema de queima de arquivo. É realmente triste perder a vida, por saber e revelar histórias que envergonham a humanidade.

Anonymous said...

Acabei de encontrar um artigo em que diz que Putin, em conversa com o primeiro ministro de Israel, inveja o presidente israelense acusado de estupro. Retratos da Rússia....
Para quem se interessar:
http://news.monstersandcritics.com/europe/article_1212847.php/Putin_rape_comments_overshadow_summit_with_EU_leaders

Paula